últimos dias do belogue :: à beira do fim
29 fevereiro 2016
28 fevereiro 2016
26 fevereiro 2016
Oferta
Até aqui a
rosa. Para além
fica a
imagem que nos traz o dia,
a mesma
sombra, a curva que contém
tudo o que
nela aumenta e não havia.
Um frémito,
um vestígio como a renda
que nasce
com os gestos, o tecido
em que as
mãos (já unidas) são a senda
que nos leva
ao limite pressentido:
uma outra
rosa, aquela que habitava
nas sementes
de tudo o que te dava.
Fernando
Guimarães
24 fevereiro 2016
[ leituras ]
“quartos alugados”
alexandre andrade
alexandre andrade
ed. exclamação
ando muito viciado em livros de contos, é verdade, e tive a
sorte de encontrar este pequeno tesouro escrito em português. trata-se de um
conjunto de histórias que gira à volta de uma ideia-tronco comum: a de um tempo
do corpo no espaço que é um quarto.
há histórias para todos os gostos: em quartos alugados,
quartos escuros, quartos esquecidos, quartos estrangeiros, quartos revisitados,
quartos sonhados e, pelo meio, há literatura e uma prosa rica em mil e uma
referências: proust, beckett e borges (o conto “sul” é uma revisitação quase perfeita de “o aleph”), discussões filosóficas, gastronomia, música, e uma
geografia dos quartos que vai de lisboa a paris, passando por coimbra, tondela,
braga e outras cidades (em) que (se) abrigam os quartos.
a maior surpresa, para além da riqueza da narrativa, foi
para mim o estilo: uma prosa limpa, com um ritmo peculiar e uma escolha de
palavras e adjectivos sem mácula. em português – e não acordês. o facto de ser
professor universitário (e de física, note-se) ainda mais sublinha a originalidade
desta escrita de um autor que, desconfio, não quer(eria) de todo ser um
escritor.
23 fevereiro 2016
marear na tua carta
agora que a
primeira onda invade o convés desta nossa caravela nua
só queria mesmo afundar-me contigo e salgar-me nas praias
do teu amar,
flutuar sem temor no secreto compasso que adivinho em
cada maré tua:
lendas de gigantes, musas da nossa canção, cabos ainda
por dobrar.
agora que a última
onda submergiu esta nau que se afundou em ti
já nem sequer posso içar âncora e marear na tua carta de
marear,
desvendar os longínquos reinos que afinal sempre
estiveram aqui:
mistérios do teu corpo, oceanos de alva névoa, sete mares
por navegar.
22 fevereiro 2016
este azul já por aqui apareceu, mas hoje recordei-o, pela voz incomparável da grande ella.
My mama done tol' me when I was in pigtails
My mama done tol' me, "Hon,
A man's gonna sweet talk and give ya the big eye
But when the sweet talkin's done
A man is a two-face
A worrisome thing who'll leave ya to sing
The blues in the night"
Now the rain's a-fallin'
Hear the train's a callin', whooee
My mama done tol' me
Hear that lonesome whistle
Blowin' 'cross the trestle, whooee!
My mama done tol' me, a-whooee-ah-whooee
Ol' clickety-clack's a-echoin'
Back th' blues in the night
The evenin' breeze'll start the trees to cryin'
And the moon'll hide it's light
When you get the blues in the night
Take my word, the mockingbird'll sing
The saddest kind o' song
He knows things are wrong
And he's right
From Natchez to Mobile, from Memphis to St. Joe
Wherever the four winds blow
I been to some big towns an' heard me some big talk
But there is one thing I know
That a man's a two-face
A worrisome thing who'll leave ya to sing
The blues in the night
21 fevereiro 2016
Chega-te
devagar aos meus domínios;
que
teus dedos tacteiem o espaço
cegamente,
a escuridão que envolve
meu
corpo; que abram um caminho
e
cheguem até mim através do véu
espesso e
taciturno das sombras.
Salva-me com
a luz que há em teus dedos
ao tocar-me,
conjura a desídia,
acende-me
ou abrasa-me no tacto
esplendoroso
e claro de tuas mãos.
Como a
borboleta nocturna,
lançar-me-ei
à chama que tu convocas,
antes
queimar-me que estar às escuras.
Josefa
Parra
20 fevereiro 2016
acabado de chegar de um daqueles concertos para mais tarde
recordar: uma inesquecível viagem de inverno na gulbenkian (grande auditório
esgotado) pela mão do meu barítono preferido na actualidade e markus
hinterhäuser (no piano), com uma maravilhosa criação visual, encenação e vídeo
de william kentridge. matthias goerne é para mim o herdeiro natural de
fischer-dieskau como intérprete superlativo de lieder e a sua voz ainda me
pareceu mais aveludada que na gravação em disco. e, como aliás já esperava,
este ciclo de canções de schubert voltou a ter algo que me pareceu ouvir pela
primeira vez.
19 fevereiro 2016
um
dos enormes atractivos do mundo de joseph cornell é esse: o das viagens
fictícias e a associada saudade de lugares onde afinal nunca se esteve. apesar de
nunca ter saído da área de nova-iorque, através dos livros que leu, objectos
que coleccionou e contactos que manteve, acabou por interiorizar memórias de
uma europa do século xix (uma das suas paixões, a par do ballet) que nem os
europeus já tinham – ou poderiam ter tido. quando em 1933 encontrou pela
primeira vez marcel duchamp – num episódio que se tornou lendário – a propósito
de uma exposição dedicada ao surrealismo, falaram em francês e começaram a
trocar impressões sobre paris, a vida nos cafés e nos boulevards, o que tinha
acontecido na ópera, alguns quadros vistos no louvre e os últimos bailados levados
à cena. no final da conversa, quando cornell por fim confessou nunca ter
visitado a capital francesa, consta que duchamp ficou longos segundos
literalmente de boca aberta.
duchamp dossier
joseph cornell
18 fevereiro 2016
o frio de ontem à noite trouxe-me à memória esta canção, hoje
em dia muito associada ao natal, assinada por frank loesser e que apareceu num
musical de 1949. rapidamente se tornou um dos standards do american songbook e
há inúmeras versões disponíveis, embora para mim o original do filme permaneça imbatível.
I really can't stay (Baby, it's cold outside)
I've got to go way (Baby, it's cold outside)
This evening has been (I've been hopin' that you'd drop in)
So very nice (I'll hold your hands, they're just like ice)
My mother will start to worry (Hey beautiful, what's your
hurry)
And father will be pacing the floor (Listen to that
fireplace roar)
So really, I'd better scurry (Beautiful, please don't hurry)
Well, maybe just a half a drink more (Put some music on
while I pour)
The neighbors might think (Baby, it's bad out there)
Say, what's in this drink (No cabs to be had out there)
I wish I knew how (Your eyes are like starlight now)
To break this spell (I'll take your hat, your hair looks
swell)
I oughtta say no, no, no sir (You mind if I move in closer)
At least I'm gonna say that I tried (And what's the sense in
hurting my pride)
I really cant stay (Oh baby, don't hold out)
Oh, but it's cold outside
I simply must go (Baby, it's cold outside)
The answer is no (Baby, it's cold outside)
The welcome has been (So lucky that you dropped in)
So nice and warm (Look out the window at that storm)
My sister will be suspicious (Your lips look delicious)
My brother will be there at the door (I ain't worried about
you brother)
My maiden aunts mind is vicious (gosh your lips are delicious)
Well maybe just a cigarette more (never such a blizzard
before)
I've got to get home (Baby, you'll freeze out there)
Say, lend me a coat (It's up to your knees out there)
You've really been grand (I thrill when you touch my hand)
Oh, but don't you see (How can you do this thing to me)
There's bound to be talk tomorrow (Well, think of my
lifelong sorrow)
At least there will be plenty implied (If you caught
pneumonia and died)
I really can't stay (Get over that hold out)
Oh, but baby its cold outside
16 fevereiro 2016
fábula do caminho
marítimo
não soubeste desaguar nestas ondas só nossas
nem sabes do rio que percorres no teu lamento
e nunca lhe adivinhas a foz nesta carta de marear
não tenhas medo de navegar um destes sete mares
apesar da incerteza desta água ferida que jamais sara
porque nos sei
sempre à deriva rumo à ilha dos amores
não sei se há mapas para quem sonha um mar acordado:
sempre li em ti o
caminho marítimo para a minha índia
e basta-me a tua
maré viva para ser de novo uma caravela
13 fevereiro 2016
Devia
morrer-se de outra maneira
Devia
morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos
em fumo, por exemplo.
Ou em
nuvens.
Quando nos
sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de
novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos
mais íntimos com um cartão de convite
para o
ritual do Grande Desfazer: «Fulano de tal
comunica a
V. Ex.ª que vai transformar-se em nuvem
hoje às 9
horas. Traje de passeio».
E então,
solenemente, com passos de reter tempo,
fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos
todos
assistir à despedida.
Apertos de
mão quentes. Ternura de calafrio.
«Adeus!
Adeus!»
E, pouco a
pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa
lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos...
em seguida,
os lábios... depois, os cabelos...) a carne,
em vez de
apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo...
tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela
nuvem além (vêem?) - nesta tarde de outono
ainda tocada
por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
11 fevereiro 2016
09 fevereiro 2016
fábula em
post-scriptum
a erva que ainda
cresce sobre a minha sepultura de mármore
estremece de
frio embalada pelo vento agreste da montanha
e alimenta-se do
que em tempos foi a espuma da minha maré
deixando-se
afagar pelas promessas segredadas às velas mudas
também
sonhos me deixaram outrora acorrentado a este porto
e não senti que
morria um pouco em cada segredo não contado
não só o vento
morre sobre o mármore feito um rio num delta
como também
morre a erva que cresce sobre a minha sepultura
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