26 março 2020







O  fio  da  fábula




O fio que a mão de Ariadne deixou na mão de Teseu (na outra estava a espada) para que este se aventurasse no labirinto e descobrisse o centro, o homem com cabeça de touro ou, como pretende Dante, o touro com cabeça de homem, e o matasse e pudesse, já executada a proeza, decifrar as redes de pedra e voltar para ela, para o seu amor.
As coisas aconteceram assim. Teseu não podia saber que do outro lado do labirinto estava o outro labirinto, o do tempo, e que num lugar já fixado estava Medeia.
O fio perdeu-se, o labirinto perdeu-se também. Agora nem sequer sabemos se nos rodeia um labirinto, um secreto cosmos ou um caos ocasional. O nosso mais belo dever é imaginar que há um labirinto e um fio. Nunca daremos com o fio; talvez o encontremos e o percamos num acto de fé, num ritmo, no sono, nas palavras que se chamam filosofia ou na mera e simples felicidade.


(Cnossos, 1984)




Jorge Luis Borges







21 março 2020






começou a primavera, seguramente uma que não 
imaginávamos possível. gostava que esta canção
de angel olsen a pudesse tornar menos ansiosa...












18 março 2020






não creio que o venha a ouvir em abril. os concertos
de todas as digressões estão a ser cancelados/adiados.
mas esta canção do novo disco era uma daquelas que
queria mesmo ouvir ao vivo. como ele diz: fico à espera.












15 março 2020





a  literatura  foi  tão  efémera




se eu soubesse que ia ser assim, jamais a literatura
teria entrado na minha vida. ela alicia-nos desde a
adolescência com romances, novelas, poesia e até
teatro e depois é isto. instala-se em mim, em ti, em
todos nós esta espécie de insatisfação permanente.
sim, diz-me, o que fez por ti a literatura senão dar-te
a consciência da tua insuficiência perante um texto
que te aperta a garganta ou faz o teu coração falhar
um batimento. ou enumera lá as grandes vantagens
obtidas por deixares que essas letras alheias criassem
no teu espírito imagens irreais, situações impossíveis
e emoções pouco saudáveis. a verdade é que aquilo
que foste lendo, as dezenas de livros, os milhões de
palavras, se perdeu ao longo dos anos. guarda-se em
ti uma vaga memória de um ou outro personagem
célebre e daqueles enredos mais famosos, mas sabes
no teu íntimo que leste para esquecer, a literatura foi
tão efémera quanto a recordação dos seus benefícios.






10 março 2020

05 março 2020





na eterna demanda do nocturno mais-que-perfeito,
dou por mim muitas vezes a trautear este velho tema
de victor young/ned washington, recriado pelo trio de
bill evans ao vivo em 1961, numa gravação que veio a
tornar-se um instant classic. podia ser apenas mais uma
versão de um standard, mas não conheço outra superior.