novas cartas de marear
04 setembro 2023
01 setembro 2023
days at the morisaki bookshop
satoshi yagisawa
ed. harper collins
novela divertida centrada no "book district" de tóquio - e ideal para os que gostariam de viver numa livraria (que, como se sabe, é o mais perto de viver no paraíso borgesiano que seria habitar uma biblioteca)
love at six thousand degrees
maki kashimada
ed. europa
começa assim: uma jovem dona de casa, assombrada por visões de uma nuvem em forma de cogumelo, decide abruptamente deixar o marido e o filho para viajar sozinha para a cidade de nagasaki. como termina não digo.
the boundless sea
david abulafia
ed. penguin
livro raro e ambicioso: tentar contar a história da humanidade ao longo dos últimos cinco milénios, do ponto de vista dos aceanos. aboulafia escreve muitíssimo bem, é impossível resistir ao encanto de um texto de história que é uma colectânea de histórias. e aprendi mais neste livro sobre os descobrimentos portugueses, nas curtas páginas a eles dedicadas, do que julgava possível. (um único senão: já me irrita esta mania de me copiarem e utilizar quadros clássicos para capas de livros. os que me conhecem sabem do que estou a falar).
terminal boredom
izumi suzuki
ed. verso
reunião de sete contos de uma autora que se tornou, com o passar dos anos, uma figura de culto dentro de uma certa contra-cultura japonesa. as comparações com ursula k. le guin são inevitáveis: existe de facto algo de antecipação futurista e inquietude distópica nestas estranhas histórias.
a little history of art
charlotte mullins
ed. yale univ. press
em episódios tão bem descritos que quase parecem reais, somos transportados para momentos chave da história da arte, em que a autora faz de nós desenhadores de cavernas, escultores gregos e pintores renascentistas - com referências ao que ocorre na mesma época nas américas, em áfrica e na ásia. é impossível dar resposta às razões da arte em meras 300 páginas, mas fica-se mais perto. brilhante!
pale fire
vladimir nabokov
ed. penguin
li este livro há muitos muitos anos, numa edição espanhola - e sempre pensei que tinha um dia de o ler em inglês. agora ainda me pareceu melhor.
29 agosto 2023
24 agosto 2023
17 agosto 2023
Alto mar
Quando estiver no alto mar e tudo
for água à minha volta, água salgada,
atirarei a vida borda fora.
Quando os meus olhos só puderem ver
a espantosa quantidade de pranto
que constituiu os mares deste mundo,
atirarei a vida borda fora.
Entre esses biliões e biliões
de lágrimas vertidas por alguém,
atirarei a vida borda fora.
E que os inexpressivos tubarões
destruam com os seus dentes o que fui.
Amalia Bautista
13 agosto 2023
Telescópio
Há um momento após desviares o olhar
em que te esqueces de onde estás
pois tens vivido, parece,
noutro lado, no silêncio do céu nocturno.
Estás num lugar diferente,
um lugar onde a vida humana não tem sentido.
Existes como as estrelas existem,
participando na sua quietude, na sua imensidão.
De noite, numa colina fria,
a desmontar o telescópio.
que não é falsa a imagem
mas a relação.
fica tão longe de todas as outras.
Louise Glück
02 agosto 2023
31 julho 2023
the heart of man
jon kalman stefánsson
ed. maclehose press
terceiro e último acto deste romance passado há cem anos numa islândia remota. o rapaz (o seu nome nunca é pronunciado) e o carteiro chegam a uma estranha povoação, ali surge um novo amor, cartas são escritas, segredos revelados e tudo se encaminha para um final que para mim não constituiu uma surpresa. e stefánsson mantém a simplicidade na narrativa mas uma grande beleza poética na expressão das emoções. um belo e trágico final para esta saga moderna.
the cambridge centennary ulysses
james joyce
ed. cambridge univ. press
um must para qualquer argonauta do bloomsday, esta edição comemorativa do centenário do original com a chancela da parisiense shakespeare & co. segue-se o facsimile de 1922, com ensaios e anotações em cada capítulo, num enorme volume de capa dura, de mil páginas e mil e uma aventuras.
dar a cara
larry brown
ed. cutelo
os contos de brown têm um denominador comum: personagens em situações emocionais extremas. são histórias curtas apresentadas com realismo cru e alguma violência, por vezes inesperada ou chocante. frequentemente comparado a outros escritores “sulistas” (cormac mccarthy, harry crews, entre outros), a sua voz tem algo de único e esta colectânea é uma boa amostra.
o capote
nicolau gogol
ed. publicações europa-américa
não sou muito de andar à procura de edições antigas, vasculhando alfarrabistas em demandas insanas. porém há anos que procurava este livrinho, editado no final de 1953 e coincidindo com a estreia nacional da adaptação cinematográfica assinada por alberto lattuada - e com o bónus da inclusão de diversos fotogramas retirados do filme. esta novela curta é uma das obras-primas da literatura russa e, como disse um dia dostoievsky (referindo-se a si próprio e a tolstoi): vimos todos do capote de gogol.
monsieur teste
paul valéry
ed. allia
releitura rápida do testemunho de um anti-herói, que soube aproveitar o seu tempo não procurando ser bem sucedido. depois, há sempre aquela frase: “achar não é nada, o difícil é somar a si o que se encontra”... e como resisitir à capa desta edição?
the world’s most beautiful libraries
massimo listri
ed. taschen
reedição (menor formarto, “para pobres como eu”) de um dos mais belos livros visuais sobre bibliotecas. há duas portuguesas (óbvias) mas na referência a praga falta a superlativa klementinum.
1913
florian illies
ed. clerkenwell press
franz kafka está apaixonado pela ideia de estar apaixonado e escreve cartas de amor a felice bauer, louis armstrong foi castigado mas recebe um trompete na casa de correcção, sigmund freud (e os seus) zanga-se definitivamente com carl jung (e os dele), charlie chaplin assina o seu primeiro contrato com um estúdio de cinema, marcel proust inicia a sua demanda escrita à procura de um tempo perdido, um pintor de aguarelas chamado adolf hitler tenta vender os seus trabalhos pelas ruas de viena, rainer maria rilke passeia pela europa e escreve, igor stravinsky estreia em paris a sua sagração da primavera, um bailado coreografado por nijinsky, perante um público dividido entre apupos e aplausos (na plateia encontram-se jean cocteau e uma jovem costureira, coco chanel, que virá a ser amante do compositor)... e tudo isto se passa durante 1913, o ano anterior à morte de uma era.
26 julho 2023
10 julho 2023
30 junho 2023
time shelter
georgi gospodinov
ed. weidenfeld & nicolson
um personagem enigmático abre na suíça uma “clínica para o passado”, que oferece a quem sofre de alzheimer um tratamento promissor: cada piso e cada quarto reproduzem uma determinada década com minucioso detalhe - e isso permite transportar os doentes para o passado, ajudando a recuperar memórias e bem-estar. porém, à medida que tudo se torna cada vez mais convincente, vai crescendo o número de pessoas saudáveis que procuram internamento na clínica, esperando que ela seja um “abrigo temporal”, desejando que ali resida um meio de fuga aos horrores do presente - um efeito inesperado em que o passado vai invadir o presente e eliminar o futuro... este argumento brilhante constitui a 1ª parte do livro (e essas páginas mereceram ganhar o international booker prize deste ano). depois, infelizmente, o autor perde-se em devaneios sobre a política europeia actual e isso, para mim, torna o livro algo datado. é pena, a primeira parte é um clássico distópico instantâneo.
windswept & interesting
billy connolly
ed. two roads
divertida, por vezes hilariante, a autobiografia de um dos meus comediantes preferidos. origem familiar pobre, criança abandonada, adolescente vítima de abuso sexual, aprendiz de soldador nos estaleiros de glasgow - nada, mas mesmo nada, poderia prever aquilo que billy conseguiu ao longo da sua vida.
shy
max porter
ed. faber&faber
pequena-grande novela sobre algumas horas na vida de um adolescente problemático. terá ele fugido da casa de reeducação para “jovens perturbados” ou não? depois encontra o pequeno lago, algo inesperado acontece e todos os seus pensamentos, traumas, medos e ódios são-nos revelados em diversos planos (a diferenciação gráfica é brilhante), até tudo - quase num anti-climax - voltar a ser o que era. entrar na cabeça de um adolescente e conseguir encontrar as palavras certas - hats off for max porter.
nada, nada, nada
francis picabia
ed. snob
influenciado pelo impressionismo e depois pelo cubismo, francis picabia cedo percebeu que a sua alma estava noutro sítio. o encontro em nova iorque com duchamp e man ray e o posterior contacto com tristan tzara e outros membros do célebre cabaret voltaire transformam-no no arauto ideal para um novo ideal de quatro letras: dada. e picabia desenha, pinta e, sobretudo, escreve. neste livro, retrato da sua loucura sã, esconde-se e revela-se um manifesto-feito-corpo-feito-mecanismo-feito-dada. são textos de análise crítica e panfletária sobre o que é dada e não dada, o ser tudo e ser nada, repletos de dadaforismos sarcásticos e hilariantes: “a arte é um produto farmacêutico para imbecis”, “eu sou a favor da incineração que conserva no formato menos volumoso ideias e indivíduos”, “ a arte está por toda a parte excepto nas galerias dos marchands e nos templos da arte”, “paris é maior do que picabia, mas picabia é a capital de paris”, “dada é contra a carestia da vida” (nisso somos todos dada!)... mais tarde criticou o cubismo (“picasso acaba de comprar um citröen que trepa maravilhosamente às árvores; segundo conta, ele vem mijar-lhe na mão”), aproximou-se e afastou-se dos surrealistas e, claro está, acabou por se renegar: “francis picabia vira-se sempre contra si mesmo”. porém, como se sabe, ele não sabia nada, nada, nada.
gargântua e pantagruel
françois rabelais
ed. e-primatur
mais um triunfo para a e-primatur, a edição deste clássico, após os contos de cantuária de chaucer e os ensaios de montaigne. com uma boa e divertida tradução (o espírito rabelaisiano inundou o tinteiro de manuel de freitas) e as inigualáveis gravuras de gustave doré, este é um texto que se revela surpreendentemente actual, um bom antídoto, mordaz e sempre cómico, contra o politicamente correcto e a falta de graça actualmente vigentes. não me espantava se um dia destes fosse “re-escrito”... mas pelo menos esta edição já não estragam.
primeiros trabalhos (1970-1979)
patti smith
ed. traça
rimbaudependente confessa, patricia lee smith quis reinventar para si aquele bizarro romantismo francês e essa sua quase-obsessão está bem presente nestes primeiros trabalhos, que abarcam toda a década de setenta, os anos de um rito de passagem da obscuridade para o mediatismo-culto e da criação da persona patti. e neles se antevê claramente o impacto que iria ter na cena literária mais fora-da-caixa e no mundo rock mais underground. não há medo de experimentar e testar limites nesta recolha de textos onde se incluem anotações de diários, poemas (muitos em prosa), críticas e reflexões. é de saudar o voluntarismo de mais uma editora independente - sem elas nunca teríamos traduções como esta.
the wager
david grann
ed. simon & schuster
o ‘wager’ era um veleiro de três mastros que zarpou de inglaterra em 1740, integrando uma pequena esquadra numa missão secreta que envolvia uma viagem à américa do sul, dobrando o cabo horn e subindo a costa chilena. dois anos depois, aparece um pequeno barco na costa brasileira com trinta sobreviventes da tripulação. e com eles uma narrativa dos acontecimentos. mas pouco tempo depois aparece numa ilha chilena um bote com outros três sobreviventes que, por fim repatriados, contam uma história muito diferente. o almirantado nomeia um tribunal marcial para apuramento da verdade: naufrágio? motim? assassínio? muitas questões sem resposta óbvia até ao presente, porém ficam certezas evidentes: as deploráveis condições a bordo, a tirania hierárquica, o quão selvagens somos sob condições limite... muito para lá de uma aventura marítima, uma grande fábula sobre o comportamento humano.