28 setembro 2022

 





leituras  de  setembro





 


 


 


 


 





:: notas ::


obra reunida, vol. 1

scott maclanahan

ed. cutelo

 

o maior elogio que posso fazer a este livro é dizer que se o meu querido caldwell fosse vivo, provavelmente escrevia histórias assim.


 

diary of a void

emi yagi

ed. harvill secker 

 

devido a um ambiente tóxico miss shibata muda de emprego. sendo a única mulher no novo local de trabalho, é esperado que seja ela a ocupar-se de certas tarefas, como fazer e servir o café. mas um dia ela anuncia que está à espera de bebé e que o cheiro a enjoa. e então deixa de servir café, não a obrigam a de fazer horas extraordinárias, pode até sair mais cedo, já tem tempo para aulas de aeróbica para grávidas e longos banhos de imersão. a única coisa que a preocupa é como gerir os próximos meses, porque há um pequeno problema: miss shibata não está grávida... prosa divertida, mesmo quando séria, e irónica - uma história que dá que pensar.


 

auto-retrato com radiador

christian bobin

ed. flâneur

 

é um diário de um luto, escrito ao longo de quase um ano, mas é também uma reflexão sobre a vida e a memória. é uma recolha de textos em prosa, mas é igualmente um artifício camuflador de uma poesia muito própria. bobin, nestas suas duplicidades que nos fazem sentir cúmplices, é sempre obrigatório.


 

o olhar diagonal das coisas

ana luísa amaral

ed. assírio & alvim

 

desde "minha senhora de quê", que li com surpresa e agrado no início da década de noventa, até ao mais recente "mundo", esta colectânea-bíblia reúne os dezassete livros de poesia de ana luísa amaral. saboreei alguns mas muitos outros desconhecia por completo. e foi uma oferta de eu a mim, como um céu e nada mais, para ouvir o som que os versos fazem ao abrir.


 

consumidos pelo fogo

jaume cabré

ed. tinta-da-china

 

esta é a história implacavelmente triste de um homem a quem se pode chamar ismael (como o de melville), desde a sua infância desgraçada até ao dia em que encontra um antigo amor numa retrosaria. e depois um dia sai para comprar pão, encontra um amigo e nada volta a ser como dantes - tal como acontece com os javalis que se aventuram para além da floresta conhecida ou com as borboletas nocturnas, inexoravelmente atraídas pela luz do fogo que as irá consumir.








24 setembro 2022

20 setembro 2022

 



 

fábula  para  ana  luísa  amaral

 

 

 

 

 

amavas mesmo esta língua de saliva feita palavras e

confessavas ter todos os sintomas dos navegantes no

desejo do mar, essa paixão antiga que não naufraga.

sabias que ficar a admirar as ondas é a mesma coisa

 

 

que encontrar o momento da leitura de um poema,

instantes ambos em que o tempo desacelera e tende

a parar, o ponteiro do relógio por fim amedrontado,

a lágrima que já não cai e, por cima de tudo, um céu

 

 

e nada mais, mesmo de pernas para o ar e virado do

avesso. alguns cantam o amor sem uma rima, outros

passam por um soneto sem o ver, acontece a quem

 

 

não ouve o som que os versos fazem ao abrir. porém

contigo nunca: procuravas o olhar diagonal das coisas

entre corpos, num horizonte vítima de golpes verticais.

 

 





12 setembro 2022

 


 

Taquicardia

 

 

 

Se eu não morrer de amor
morrerei de outra coisa qualquer

gastroenterite, atropelamento, enfarte

Enganar-se-ão sempre no diagnóstico

 

De qualquer forma

liga-me antes que isto tudo aconteça

para combinarmos o tal jantar

em que eu levava uma taquicardia

e tu uma garrafa de vinho

para desbloquear conversas

refastelados no sofá

tudo com tempo e medida

porque amar demais,

advertiu-me o médico,

faz mal ao coração

 

 

 


Manuel Halpern






02 setembro 2022

 


 

 

no quintal havia um limoeiro

transplantado pelo pai

onde a mãe secava as toalhas
para lhes dar cheiro.

 

comíamos à sua sombra

e bebíamos limonada.

fomos crescendo todos

ele sempre mais que nós.

 

quando a mãe desapareceu

de nossa casa

os limões começaram

a apodrecer nos ramos.

 

 

 


Luís A. Fernandes