29 setembro 2015







fábula  do  homem  que  tinha  perdido  um  amor






falaram-me de um homem que tinha perdido um amor.
disseram que não parecia triste, mas que a luz do sol o
atravessava como se fosse feito de vidro. o homem era
para alguns invisível e um fantasma para outros. nunca
falava, mas contavam que tinha sido visto a discutir com
os pardais. também não se lhe conhecia outra roupagem
que não fossem poemas. saía à rua vestido com versos e
depois ficava sentado nos bancos dos jardins. ninguém
o lia. e alguém me disse que vivia assim porque deixara
de escrever, desde o dia em que tinha perdido um amor.






28 setembro 2015







[ inevitável na noite de hoje, um azul sobre a lua ]



It is a brand new moon, since two men walked up there
Yes, we got a brand new moon, since the two men they walked up there

But it's the same old world for us. babe, you know we ain't goin nowhere

They got all of that bread, just to send people into space

You know they got all of that bread, just to send people up in space
But there's trouble there for us, baby we aint goin any place

I saw a flag on the moon, and I was just as proud as I could be
I saw a flag on the moon, and I was just as proud as I could be

You know, I love my country, baby, but my country dont love me



Ooh ooh ooh, you know I just got the moon blues

Yes, I said ooh ooh ooh, peoples I just got the moon blues

Cause all we got down here on earth, babe, I think we might as well go to the moon






27 setembro 2015






Ya no seré feliz. Tal vez no importa.
Hay tantas otras cosas en el mundo;
un instante cualquiera es más profundo
y diverso que el mar. La vida es corta

y aunque las horas son tan largas, una
oscura maravilla nos acecha,
la muerte, ese otro mar, esa otra flecha
que nos libra del sol y de la luna

y del amor. La dicha que me diste
y me quitaste debe ser borrada;
lo que era todo tiene que ser nada.

Sólo que me queda el goce de estar triste,
esa vana costumbre que me inclina
al Sur, a cierta puerta, a cierta esquina.






Jorge Luis Borges






25 setembro 2015






d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :






o terceiro planeta vai descrevendo a sua trajectória elíptica em redor da pequena estrela e afasta-se definitivamente. 
a estação do ano mudou. gosto do outono, do tempo a arrefecer e das cores das folhas. lembrei-me de vivaldi mas
logo a seguir ocorreram-me as estaciones porteñas de piazzolla. descobre as diferenças do otoño cantado




a) pelo bandoneón de astor



b) pelo violino de arabella






24 setembro 2015






De que serviria




Aquilo que somos não é aparente,

não podemos explicar o sofrimento

de onde procede este amor.

Mas eu não vim para te dizer

como as sombras mistificam

o mundo: não me perguntes nada.

Tu já és a causa por detrás da máquina

dos dias, se eu for por essa terra fora

será para chamar por ti.






Rui Pires Cabral






23 setembro 2015







só hoje termina o verão mas parece-me ter passado há muito tempo. do magnífico e intemporal "from gardens where we feel secure", recordarei sempre aqueles momentos bucólicos de encantamento infantil que virginia astley me proporcionou na adolescência - não o sabia então, mas era já um pouco de céu na terra.








22 setembro 2015








[artista desconhecido]
c.a.m. da f.c.g.











fábula  do  destino  numérico





assim que o espelho caiu no frio chão de pedra
e se estilhaçou em mil e um pedaços brilhantes
pensou nos sete anos de azar que lhe estavam
desde logo destinados. e maldisse essa injusta
falta de sorte, não ter ali à mão mais dezanove
espelhos que pudesse deixar cair, um após outro,
até ao fim: sempre viveria até aos cento e quarenta.







21 setembro 2015







eddie james “son” house, jr. é autor de uma das grandes epifanias dos azuis. cresceu num ambiente religioso e ainda adolescente iniciou uma carreira de pregador nas igrejas baptista e metodista episcopal. o seu inimigo preferido era a música, para ele um sinónimo de degenerescência moral e perdição eterna. mas diz-se que aos vinte e cinco anos teria ouvido alguém tocar bottleneck slide guitar, num estilo para ele até então desconhecido, o que o levou a comprar uma guitarra. nesse dia perdeu-se um pregador... e o resto é história.


I got a letter this mornin, how do you reckon it read?
It said, "Hurry, hurry, yeah, your love is dead"
I got a letter this mornin, I say how do you reckon it read?
You know, it said, "Hurry, hurry, how come the gal you love is dead?"

So, I grabbed up my suitcase, and took off down the road
When I got there she was layin' on a coolin' board
I grabbed up my suitcase, and I said and I took off down the road
I said, but when I got there she was already layin on a coolin' board

Well, I walked up right close, looked down in her face
Said, the good ol' gal got to lay here 'til the Judgment Day
I walked up right close, and I said I looked down in her face
I said the good ol' gal, she got to lay here 'til the Judgment Day

Looked like there was 10,000 people standin' round the buryin' ground
I didn't know I loved her 'til they laid her down
Looked like 10,000 were standin' round the buryin' ground
You know I didn't know I loved her 'til they damn laid her down

Well, I folded up my arms and I slowly walked away
I said, "Farewell honey, I'll see you on Judgment Day"
Ah, yeah, oh, yes, I slowly walked away
I said, "Farewell, farewell, I'll see you on the Judgment Day"

You know I didn't feel so bad, 'til the good ol' sun went down
I didn't have a soul to throw my arms around
I didn't feel so bad, 'til the good ol' sun went down
You know, I didn't have nobody to throw my arms around

You know, it's hard to love someone that don't love you
Ain't no satisfaction, don't care what in the world you do
Yeah, it's hard to love someone that don't love you
You know it don't look like satisfaction, don't care what in the world you do

Got up this mornin', just about the break of day
A-huggin' the pillow where she used to lay
Got up this mornin', just about the break of day
A-huggin' the pillow where my good gal used to lay

Got up this mornin', feelin' round for my shoes
You know, I must-a had them old walkin' blues
Got up this mornin', feelin' round for my shoes
Yeah, you know bout that, I must-a had them old walkin' blues

Ah, hush, thought I heard her call my name
If it wasn't so loud and so nice and plain
Ah, yeah
Mmmmmm mmmmm mmmmmm







20 setembro 2015






Tisana 29




Quando cheguei a casa o meu porco Rosalina estava a escrever à máquina. Fiquei num grande estado de perplexidade e por isso perguntei o que estás aí a fazer. Sem erguer a cabeça Rosalina apontou com o chispe para o papel convidando-me a ler. A folha estava em branco porque Rosalina tinha retirado a fita da máquina para a enrolar na sua encaracolada cauda que nesse momento agitava com prazer. Rosalina foi sempre o que me impeliu ao mergulho na metafísica. Por isso sem dizer nada dirigi-me para a cozinha. Abri a gaveta dos talheres. Tirei a grande faca do estojo do trinchante. Acendi o lume e pus a grelha a aquecer. Dirigi-me de novo para o escritório onde Rosalina escrevia à máquina. Cortei-lhe algumas febras do lombo. O suficiente para uma bela refeição. Cortei também um pedaço de fita para enfeitar a travessa.





Ana Hatherly




19 setembro 2015

16 setembro 2015






Ya no es mágico el mundo. Te han dejado.
Ya no compartirás la clara luna
ni los lentos jardines. Ya no hay una
luna que no sea espejo del pasado,

cristal de soledad, sol de agonías.
Adiós las mutuas manos y las sienes
que acercaba el amor. Hoy sólo tienes
la fiel memoria y los desiertos días.

Nadie pierde (repites vanamente)
sino lo que no tiene y no ha tenido
nunca, pero no basta ser valiente

para aprender el arte del olvido.
Un símbolo, una rosa, te desgarra
y te puede matar una guitarra.







Jorge Luis Borges











baseado no cântico dos cânticos, 
um pouco de céu na terra pela mão de david lang



(…) 
just your cheeks just your neck just your couch and my perfume and my beloved and my breasts and my beloved and my love just your eyes and my beloved our couch our house our laughters and my love and my beloved just your shadow just your fruit 
(...) 







14 setembro 2015





[ leituras ]








“uma história da curiosidade”
alberto manguel
ed. tinta da china



conheci manguel pelo seu dicionário de lugares imaginários, depois pela sua história da leitura e, mais tarde, através do seu relato dos tempos em que leu para um borges já cego - e tive agora a confirmação da profunda influência que o ouvinte exerceu sobre o leitor.
numa edição cuidada e graficamente apelativa, este é um livro pouco comum nos tempos que correm. um crítico citado refere ser um livro infinito, no sentido borgesiano, e tem toda a razão. ficamos imediatamente presos a este texto: um encantamento similar ao da primeira leitura de um dos antigos clássicos, como foi mágico esse momento - e como ainda o recordamos, tão nítido... 
manguel apoia-se em dante e, numa espécie de redescoberta da divina comédia, vai tecendo uma rede em torno da nossa ideia de curiosidade, fundindo literatura, arte e filosofia. aprisionados nessa teia ficamos a conhecer um pouco mais de shakespeare, diderot, são tomás de aquino, oscar wilde, ulisses, sherlock holmes, tennyson e tantos outros, num desfile interminável de personagens de um país das maravilhas, em que a maior é a curiosidade pela curiosidade.
embora acabe por ser de algum modo um relato autobiográfico, é também muito mais do que isso: são muitos livros num só. 

e, à semelhança dos ensaios de montaigne - o leitor actual mantém a sensação de que foram escritos ontem para serem lidos hoje por si e para si - há parágrafos verdadeiramente geniais, como o que transcrevo em seguida.












“A arte de ler é, em muitas maneiras, contrária à arte de escrever. Ler é um ofício que enriquece o texto concebido pelo autor, aprofundando-o e tornando-o mais complexo, concentrando-o para que reflicta a experiência pessoal do leitor e expandindo-o para que alcance os mais longínquos confins do universo do leitor e mais além. Escrever, ao invés, é a arte da resignação. O escritor tem de aceitar o facto de que o texto final não será mais do que um reflexo turvo da obra que concebera na mente, menos iluminado, menos subtil, menos pungente, menos preciso. A imaginação de um escritor é todo-poderosa e capaz de sonhar as criações mais extraordinárias em toda a sua desejada perfeição. Depois, vem a descida à linguagem e, na passagem do pensamento à expressão, muito – muitíssimo – se perde. Quase não há excepções a esta regra. Escrever um livro é resignarmo-nos a falhar, por muito honroso que seja esse falhanço.”







Alberto Manguel







13 setembro 2015





Dinheiro e Literatura




A viúva do escritor
pedia esmola
à minha avó
a título de viúva
do escritor

*

Não percebo nada
de literatura
a personagem principal
é a tia Emiliana
porque é
quem tem o dinheiro

*

O livro inédito
do tio escritor
havia de fazer
a fortuna
das herdeiras
mas o editor pagou pouco
ou a prima Berta mentiu







Adília Lopes













[ fabula urbis ]





12 setembro 2015






esta é a canção-assinatura dos starliters, e o meu twist favorito. 
e fico surpreendido por constatar que só agora me lembrei dele. 
este clip, que mostra o grupo em palco, é todo um documentário 
sobre o começo dos anos sessenta. e aquela coreografia, uma delícia inigualável.



Well they've got a new dance and it goes like this

(Bop shoo-op, a bop bop shoo-op)

Yeah the name of the dance is the Peppermint Twist

(Bop shoo-op, a bop bop shoo-op)

Well you like it like this, the Peppermint Twist
It goes round and round, up and down

Round and round, up and down

Round and round and up and down
And a one two three kick, one two three jump
Well meet me baby down at 45th street

Where the Peppermint Twisters meet

And you'll learn to do this, the Peppermint Twist
It's alright, all night, it's alright

It's okay, all day, it's okay

You'll learn to do this, the Peppermint Twist

Yeah, yeah






10 setembro 2015





Tisana 28



Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra. Um dia encontraram-se num caminho muito estreito e como não gostavam uma da outra devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra não ficou nada. Esta história tradicional demonstra que se deve amar o próximo ou então ter muito cuidado com o que se come.






Ana Hatherly













avenue d and east 10th street 
berenice abbott





09 setembro 2015







e, quebrando a promessa de não voltar a fazer referências à superlativa banda sonora de "la grande bellezza", 
numa súbita ânsia de um pouco de céu na terra, recordo este tema vocal de david lang sobre um texto yiddish.



Leyg ikh mir in bet arayn Un lesh mir oys dos fayer Kumen vet er haynt tsu mir Der vos iz mire tayer Banen loyfn tsvey a tog Eyne kumt in ovnt KhÕher dos klingen Ð glin glin glon Yo, er iz shoyn noent Shtundn hot di nakht gor fil Eyns der tsveyter triber Eyne iz a fraye nor Ven es kumt mayn liber Ikh her men geyt, men klapt in tir, Men ruft mikh on baym nomen Ikh loyf arop a borvese Yo! er iz gekumen!