28 outubro 2021

 
 



leituras  de  outubro






 


 


 


   


 





 passo a deixar algumas notas de leitura, que habitualmente incluo nos meus comentários
no goodreads. e repeti o processo para todos os meses já passados deste ano.




:: notas ::


regras para a direcção do espírito 

pedro eiras

ed. flop

 

mesmo furtando o cartesiano título, nunca a célebre frase de mallarmé, "le monde est fait pour aboutir à un beau livre", foi tão exacta. no caso presente, o velho stéphane terminou-o e vai mostrar o manuscrito ao seu amigo schrödinger. porém tropeça no seu incerto e não menos famoso gato e as folhas espalham-se pelo chão. conseguirá ele ordená-las de novo? a resposta sim ou não conduz a enredos diversos, que se vão ramificando numa sequência 1,2,4,8,16 - o que remete para o conto de jorge luis borges "el jardín de senderos que se bifurcan" e para a arbitrariedade da sequência narrativa em "rayuela" de julio cortázar (ambos, por sinal, personagens presentes nos textos, tal como outros conhecidos escritores, filósofos, compositores, e tantos outros, todos comentando a ordem do livro perante a desordem do mundo). no final temos 16 histórias possíveis - e muitas mais impossíveis - narradas em 31 episódios, aqui reproduzidos como cartas de um baralho gigante, ilustrado por pedro proença e corporizando um objecto gráfico de labiríntica beleza. um dos livros do ano.

 

 

uma cadeira à neve 

jane hirshfield

ed. do lado esquerdo

 

cartão de visita de uma das maiores poetas americanas actuais. muitos dos poemas aqui presentes, numa edição bilingue, provêm do seu livro "ledger". esta é uma palavra que tanto significa registro contabilístico como pedra lisa sobre uma campa e, só por isso, se nota desde logo o cuidado que a autora empresta à escolha das palavras, incertas e multivalentes, e de como por vezes é difícil vertê-las para outras línguas. mas, por outro lado, e como se lê num dos poemas, as palavras são leais e permanecem ao lado do que nomeiam - e também isso contribui para o seu mistério. esta é uma poesia densa na sua fluidez: mesmo quando o sentido parece linear, numa segunda abordagem deparamos com uma dimensão quase filosófica escondida nas palavras. sempre elas. 

 

 

the death of francis bacon

max porter

ed. faber&faber

 

madrid, maio de 1992. num quarto de hospital gerido por religiosas, o grande pintor está a morrer: a asma que sempre o afligiu deu origem a uma insuficiência respiratória progressiva e fatal. imobilizado, bacon sabe que o fim está próximo, mas isso não impede o artista criador de pintar mentalmente. e são os pensamentos alusivos a essas últimas telas, já toldados pela medicação e ditados por uma inevitável agonia, que max porter transcreve num livrinho magistral sobre a criatividade e a imaginação.

 







21 outubro 2021





 

 

Poética

 

 

 

 

Uma palavra
a seguir à outra

até chegar à última.

E fechar com um

ponto. Que dentro

esteja eu ou algum,

alguma

de entre vós. A fazer

qualquer coisa

interessante.

 

 

 

 


Karmelo C. Iribarren

 







10 outubro 2021

 



 

lição  de  imunologia

 

  

 

 

ficares para sempre imune a toda a poesia?

não te chega deixares de a ler, ou não mais

comprares livros cheios de poemas escritos

por outros. não. tens de conseguir ignorar

os versos ocultos na luz de lisboa quando

anoitece, repudiar árias sussurradas pelas

pedras da calçada, negar o sangue quente

que percorre as veias das letras. ou então

extrair o veneno de certas palavras e obter

um antídoto eficaz contra todas as outras.

 






04 outubro 2021

 



 

 

 

Não  te  preocupes

 

 


 

As coisas levam o seu tempo. Não te 

preocupes.
Quantos caminhos percorreu Santo Agostinho

antes de se tornar Santo Agostinho?

 

 

 

 


Mary Oliver