30 dezembro 2020

 



leituras  de  dezembro





   


    


    


    





num balanço final, dizer ainda que graças aos confinamentos, impostos e voluntários,
este ano (horribilis, ergo obliviscatur) foi decerto aquele em que mais li, e fui apontando
os livros no goodreads. faltam alguns, por vezes os melhores, uma vez que muitos editores
independentes rejeitam (e bem) o isbn e as suas obras não constam nas bases de dados. como
sempre, voluntariamente não comprei nenhum dos escritos/traduzidos em acordês.

ainda nesse balanço de referir que a poesia teve a parte de leão, com cerca de
quarenta títulos; novelas foram vinte e duas, creio; lá consegui ler algum teatro,
penso que cerca de dez livros; e treze de contos e ainda seis biografias.

resoluções para o ano que se segue: nada de especial, a poesia como sempre,
novelas contos e teatro, sim. e, claro, voltar um pouco aos autores franceses
(e tentar lê-los na língua original) e, sobretudo, aos meus queridos japoneses.






29 dezembro 2020

 



entre um ano para esquecer e outro para ansiar
intrometeu-se, sem convite, o jovem thomas...







when the hawk's in the kitchen and the sirens in bloom
and the losers have been swept from the gin mills
hello sucker, merry christmas and a happy new year
thirty fourth street good tidings to you
and will you meet me in paradise alley tonight
we'll leave town in a bottle of whiskey
and come on, you old scarecrow, and be a wheel, not a lamppost
just put a saddle on a wishbone, and you're halfway there...





27 dezembro 2020

 


 

O  outro

 

 

 

Porquê pronunciar nomes de deuses, astros,

espumas de um oceano invisível,
pólenes dos jardins mais remotos?

Se nos dói a vida, se cada dia chega

rasgando as entranhas, se cada noite cai

convulsa, assassinada.

Se nos dói a dor de alguém, de um homem

que não conhecemos, mas que está

sempre presente e é a vítima

e o inimigo e o amor e tudo

o que nos falta para sermos inteiros.

Nunca digas que é tua a escuridão,

não bebas de um trago a alegria.

Olha à tua volta: há outro, há sempre outro.

O que ele respira é o que a ti te asfixia,

o que come é a tua fome.

Morre com a metade mais pura da tua morte.

 

 


 


Rosario Castellanos

 

 




21 dezembro 2020

 



é hoje o dia mais curto do ano: é oficial,
chegou o inverno - e nunca me canso de ouvir
vivaldi reinventado por max richter.










17 dezembro 2020

 


 

fábula  de  natal

 

 

 


o quarto rei mago atrasou-se bastante

e não ficou na história. mas chegou a

tempo de adorar o recém-nascido em

belém. não quis viajar com os outros,

explicou, porque a pegada ecológica

de um camelo não é negligenciável.

mas a mobilidade de uma trotinete

eléctrica no deserto é algo reduzida,

esqueci-me desse pormenor, disse-o

com um sorriso envergonhado. viu

o ouro, o incenso e a mirra, abanou

a cabeça e ofereceu ao menino um

cilindro metálico, feito de platina

iridiada. no futuro irão chamar-lhe

quilograma-padrão, será a unidade

de massa e com ele é possível medir

o peso deste mundo, acrescentou.

que é também a negação da leveza

dos homens, pensou a criança. vou

sofrer tanto por eles, valerá a pena?

 





14 dezembro 2020

 


...e é verdade: passados não sei quantos anos,
continuamos a ser os macacos mais espertos.










11 dezembro 2020

 

 

 

A  mágoa  de  Circe

 


 

 

No final, dei-me a conhecer
à tua esposa, assim como

um deus faria, na sua própria casa, em
Ítaca, uma voz

sem um corpo: ela fez

uma pausa na sua tecelagem, virando a cabeça

primeiro à direita, depois à esquerda

embora é claro não houvesse maneira

de associar aquele som a qualquer

fonte objectiva: duvido

que ela volte ao seu tear

com aquilo que sabe agora. Quando

a vires de novo, diz-lhe

que é assim que um deus se despede:

se estiver para sempre na sua mente

estarei para sempre na tua vida.

 

 



Louise Glück

 

 


(tradução imperfeita minha)

02 dezembro 2020

 



um  punhado  de  tempo

 

 

 

 

trago nas minhas mãos fechadas um punhado

de tempo, esquecido em relógios sem corda.

são silêncios antigos de momentos mudos e

fios perdidos num tecido rasgado que nunca

mais será remendado. são horas de minutos

diminutos, segundos ainda por coser, vagas

lembranças de uma trama mal urdida. e são

os meninos de suas mães destas recordações,

as malhas que jamais o império poderia tecer

após ter deixado os teares na loja de penhores

onde, entre velharias, jazem mortos e arrefecem.