30 janeiro 2019






fábula  para  rui  caeiro





também eu não sei para onde foram os malucos
que vinham pousar-te na mão, calculo que sintam
a tua falta, pairando em círculos e olhando para
baixo, tentando adivinhar para onde terias ido.
isto de nascer com algo a mais desconcerta toda
a gente que não sabe voar. e aqueles malucos só
desciam para se cruzarem contigo sem te verem.
talvez gostassem de pousar numa mão estendida
e apenas tu reconhecesses a sua solidão esquiva,
ou talvez esses loucos se deleitassem no voo, aves
fugindo de gaiolas alheias, sabendo que o pior é
já não poderem enlouquecer, ali parados no ar.
dizias que se morre de muita coisa, na realidade
um pouco todos os dias, sempre muito afinal, é
verdade, mas vive-se de pouca coisa, o essencial,
algo que soubeste o que era antes de todos nós.
agora e na hora da tua morte até eu me sinto um
maluco a pousar-te na mão. deixa-me ficar assim.





26 janeiro 2019






uma confissão após ter revisto com emoção "la grande bellezza":
não sou e nunca fui grande cinéfilo - há meses que não vou ao cinema -
mas devo a este filme, e a esta cena em particular, a coragem final para ter
decidido há cinco anos mandar o emprego à fava, apertar o cinto e mudar de
vida radicalmente - mas durante o percurso descobrir que podemos deixar de ser
infelizes pagando um preço afinal módico. como diz o meu querido jep gambardella:
"a descoberta mais consistente que fiz poucos dias após ter completado 65 anos,
é que não posso mais perder tempo a fazer coisas que não me apetece fazer".









23 janeiro 2019





Ainda não encontrei o meu lugar,
os lugares imóveis, como as árvores,
como as janelas das casas,
apesar de abrirem e fecharem,
as pessoas móveis,
como uma cama, uma mesinha de cabeceira,
como um quadro pendurado na parede,
decorativas e tantas vezes sem valor,
como uma lâmpada,
que podemos desatarraxar e acender dentro de outro candeeiro,
Ainda não encontrei o meu lugar
mas tenho dois amantes,
foge-se da solidão como se pode.




Raquel Serejo Martins





20 janeiro 2019





não, não são demasiado belas as colagens da beta band,
um daqueles grupos que revisito sem saber bem porquê.









15 janeiro 2019




Conselho  amigável  a  imensos  jovens  adultos



Vai ao Tibete.
Anda de camelo.
Lê a Bíblia.
Tinge os sapatos de azul.
Deixa crescer a barba.
Dá a volta ao mundo numa canoa de papel.
Assina o Saturday Evening Post.
Mastiga com o lado esquerdo da boca apenas.
Casa-te com uma mulher com uma perna e faz a barba com uma navalha de barbear.
E grava o teu nome no braço dela.

Escova os dentes com gasolina.
Dorme todo o dia e trepa às árvores à noite.
Sê um monge e bebe buckshot e cerveja.
Mete a cabeça debaixo de água e toca violino.
Faz dança do ventre diante de velas cor-de-rosa.
Mata o teu cão.
Concorre a Presidente da Câmara.
Vive num barril.
Parte a cabeça com um machado.
Planta túlipas à chuva.

Mas não escrevas poesia.




Charles Bukowski




09 janeiro 2019






volta e meia regresso aos temas instrumentais de frank zappa. este, um instant classic de virtuosismo, foi gravado ao vivo num concerto no londrino hammersmith odeon em 1979 e, sabendo da sua ironia constante, todos adivinhamos quem serão os cretinos traiçoeiros... em termos técnicos o que tem piada, além daquele inimitável crescendo que começa aos 3:33, é que, a par da sua guitarra, há mais dois instrumentos num solo permanente: o baixo de patrick o'hearn e toda a percussão, a cargo de vinnie colaiuta,
provavelmente o melhor baterista que alguma vez ouvi tocar.