Devia
morrer-se de outra maneira
Devia
morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos
em fumo, por exemplo.
Ou em
nuvens.
Quando nos
sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de
novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos
mais íntimos com um cartão de convite
para o
ritual do Grande Desfazer: «Fulano de tal
comunica a
V. Ex.ª que vai transformar-se em nuvem
hoje às 9
horas. Traje de passeio».
E então,
solenemente, com passos de reter tempo,
fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos
todos
assistir à despedida.
Apertos de
mão quentes. Ternura de calafrio.
«Adeus!
Adeus!»
E, pouco a
pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa
lassidão de arrancar raízes... (primeiro, os olhos...
em seguida,
os lábios... depois, os cabelos...) a carne,
em vez de
apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo...
tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela
nuvem além (vêem?) - nesta tarde de outono
ainda tocada
por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
Gosto muito. :)
ResponderEliminar;)
EliminarUm dos meus poetas portugueses preferidos! Creio que contudo, nunca foi suficientemente valorizado, ficou um pouco esquecido e os mais novos, mercê de nada dele constar da disciplina de Português, não sabem quem é.
ResponderEliminar~CC~
pois… ;)
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