[parque eduardo vii]
31 agosto 2014
d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :
george gershwin escreveu esta canção há setenta e sete anos
para o musical “shall we dance”, em que astaire a canta para rogers.
infelizmente morreu pouco tempo após o filme estrear, não tendo assistido à
popularidade que foi ganhando, tornando-se num dos standards incontornáveis do chamado american songbook. no filme, ao contrário do habitual, ginger & fred não dançam na sequência da canção mas, nítida embora longíngua, tenho
uma memória dos meus pais a dançarem ao som da cover de frank sinatra. e isso não me podem tirar.
a) ella + louis
b) jane + john
Our romance won't end on a sorrowful note
Though by tomorrow you're gone
The song has ended but as the songwriter wrote,
The melody lingers on.
They may take you from me,
I'll miss your fond caress
But though they take you from me,
I'll still possess...
The way you wear your hat
The way you sip your tea
The memory of all that
No, no they can't take that away from me
The way your smile just beams
The way you sing off key
The way you haunt my dreams
No, no they can't take that away from me
We may never never meet again, on that bumpy road to love
Still I'll always, always keep the memory of
The way you hold your knife
The way we danced till three
The way you changed my life
No, no they can't take that away from me
No, they can't take that away from me.
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they can't take that away from me
30 agosto 2014
29 agosto 2014
A mais perfeita imagem
Se eu
varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que
caem deste arbusto e o chão
que lhes dá
casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me
levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse
esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu
reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada
representa, veria que o arbusto não passa
de um
inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as
manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos,
também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a
Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma
geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema
em tom de conclusão, notaria como o seu
verso
cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua
que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a
erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de
outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um
neurónio meu, unia memória que teima ainda
uma
qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais
perfeita imagem da arte. E do adeus.
Ana Luísa
Amaral
28 agosto 2014
era um dos discos mais esperados cá por casa e não desiludiu: a homenagem de eric a jay jay é tudo o que devia ser. fugindo à tentação fácil de recriar as canções com um cunho mais pessoal, clapton e os seus convidados optaram por tentar tocá-las "como ele as tocaria connosco". o resultado é uma série de clássicos instantâneos que, se existissem dúvidas, vai assegurar que haverá sempre alguém com vontade de as reviver - e isso faz delas imortais.
his name was j j cale. he was a fantastic musician. and he was my hero.
[ para a anita ]
27 agosto 2014
fábula de um amor impossível
[sobe o pano. é abril em saint-germain des près, na paris de 1949]
julieta: eu nunca tinha visto um homem assim tão belo. e não voltei a ver. ele tocava e eu observava-o de perfil: um deus egípcio. foi michèle, a mulher de boris vian, quem mo apresentou e eu fiquei fascinada. ele tinha essa beleza e irradiava génio. era força e estranheza ao mesmo tempo. era a diferença e a modernidade do que ele tocava. eu tinha vinte anos e entendia aquela liberdade. tudo era partilhado porque não tínhamos meios, mas estávamos apaixonados. penso que ele ficou algo surpreendido por isso, pela minha liberdade e pela minha ausência de opinião e perspectiva sobre a questão racial. depois, não sei, talvez a música fosse mais forte, ele partiu.
romeu: a música tinha sido toda a minha vida e não tinha olhos nem tempo nem espaço para mais nada, até ao meu encontro com ela. ela trouxe-me isso, o que era gostar de algo que não a música. foi a primeira mulher que amei como um ser humano, num plano de liberdade e igualdade. ela era tão bela. eu não falava francês, ela não falava inglês: comunicávamos por expressões, por linguagem corporal. e depois já só falávamos com os olhos e os dedos. não havia lugar para o falso. durou algumas semanas e depois parti. mais tarde jean-paul sartre perguntou-me porque não tínhamos casado. respondi-lhe que não queria que ela fosse infeliz.
[cai o pano]
26 agosto 2014
falou-me com duas pedras na mão
eu atirei-lhas de volta
por pouco não lhe rachei a cabeça
parti o vidro duma montra
ficou parecida com uma teia de aranha
chovesse, então, era uma maravilha
veio um polícia e levou-me
bem lhe expliquei a situação
visivelmente não compreendeu
que uma metáfora por vezes
tem consequências pouco legais
multou-me e aconselhou-me
a não reincidir
coisa que fiz logo de seguida
Bénédicte Houart
25 agosto 2014
este azul foi gravado originalmente por lowell fulson em 1946, mas meia dúzia de anos depois
esta versão marcou o início da carreira de riley ben king, tendo desde então passado a fazer parte
do seu repertório habitual. continua a ouvir-se com agrado, mesmo que não sejam três da manhã.
Well now,
it's three o'clock in the morning
And I can't
even close my eyes.
Three o'clock
in the morning
And I can't
even close my eyes.
Can't find my
baby
And I can't
be satisfied.
I've looked
all around me
And my baby
can't be found.
I've looked
all around me, people,
And my baby
can't be found.
You know if I
don't find my baby,
I'm going
down to the golden ground.
Goodbye
everybody,
I believe
this is the end.
Oh, goodbye
everybody,
I believe
this is the end.
I want you to
tell my baby,
Tell her please,
please forgive me,
Forgive me
for my sins.
24 agosto 2014
não tenho nada de meu
nem coração, nem cabeça
nem pernas que me levem
nem mãos que me acolham
não tenho nada de meu
e se tivesse, não queria
o peso do ouro
impede-nos de
naufragar
Carla Pinto
Coelho
[ lê-se melhor aqui ]
23 agosto 2014
[ o que tem mesmo piada em vermeer é poder subverter toda aquela ordem doméstica que ele tenta desesperadamente imortalizar num momento breve, como se aquelas cenas de interiores da delft do séc. xvii tivessem de ser apenas o que ele nos quer mostrar.
nesta cena, por exemplo, para mim é evidente que a rapariga de azul está grávida e recebeu uma carta do namorado, um g.i. natural de maryland que conheceu após a libertação da cidade pelo exército americano. ela lê vezes sem conta aquelas curtas linhas e é visível a sua frustração - ele não respondeu à sua pergunta na carta anterior: o que há de novo em baltimore? ]
nesta cena, por exemplo, para mim é evidente que a rapariga de azul está grávida e recebeu uma carta do namorado, um g.i. natural de maryland que conheceu após a libertação da cidade pelo exército americano. ela lê vezes sem conta aquelas curtas linhas e é visível a sua frustração - ele não respondeu à sua pergunta na carta anterior: o que há de novo em baltimore? ]
mulher de azul lendo uma carta
johannes vermeer
a única novidade vinda de baltimore e digna de registo é que no dia vinte e um de dezembro de mil novecentos e quarenta ali nasceu frank vincent zappa. a resposta é dada por uma composição em duas partes: a primeira é um exemplo do que ele era como compositor inovador; após dois minutos, temos um bom exemplo do que ele era como guitarrista, com um dos seus antológicos "solos infinitos". tive a sorte de o ter visto tocar ao vivo e sei que não volto a ouvir ninguém assim.
22 agosto 2014
Parábola das mãos
Esta mão
pega num fruto,
A outra
afasta-o.
Uma mão
recebe o falcão, tira uma luva,
A outra
afugenta-o, pega numa tocha.
Uma mão
escreve cartas de amor
Que a sua
equívoca siamesa enche de injúrias.
Uma mão
bendiz, a outra ameaça.
Uma desenha
um cavalo,
A outra, um
puma que o assusta.
Pinta um
lago a mão direita:
Afoga-o num
rio de tinta, a esquerda.
Uma mão
desenha a palavra pássaro,
A outra
escreve a sua jaula.
Há uma mão
de luz que constrói escadas,
Uma sombra
que solta degraus.
Mas chega a
noite. Chega
Quando
cansadas de se agredir
Fazem
trégua na sua guerra
Porque
procuram o teu corpo.
Juan Manuel
Roca
20 agosto 2014
A cidade líquida
A cidade movia-se como
um barco. Não. Talvez o chão se abrisse em algum lado. Não. Era a tontura. A
despedida. Não. A cidade talvez fosse de água. Como sobreviver a uma cidade
líquida?
(Eu tentava sustentar-me como um barco.)
As aves molhavam-se contra as
torres. Tudo evaporava: os sinos, os relógios, os gatos, o solo. Apodreciam os
cabelos, o olhar. Havia peixes imóveis na soleira das portas. Sólidos mastros
que seguravam as paredes das coisas. Os marinheiros invadiam as tabernas. Riam
alto do alto dos navios. Rompiam a entrada dos lugares. As pessoas pescavam
dentro de casa. Dormiam em plataformas finíssimas, como jangadas. A náusea e o
frio arroxeavam-lhes os lábios. Não viam. Amavam depressa ao entardecer. Era o
medo da morte. A cidade parecia de cristal. Movia-se com as marés. Era um
espelho de outras cidades costeiras. Quando se aproximava, inundava os
edifícios, as ruas. Acrescentava-se ao mundo. Naufragava-o. Os habitantes que a
viam aproximar-se ficavam perplexos a olhá-la, a olhar-se. Morriam de vaidade e
de falta de ar. Os que eram arrastados agarravam-se ao que restava do interior
das casas. Sentiam-se culpados. Temiam o castigo. Tantas vezes desejaram soltar
as cordas da cidade. Agora partiam com ela dentro de uma cidade líquida.
(Eu
ficara exactamente no lugar de onde saiu.)
Filipa Leal
19 agosto 2014
fábula para borges *
construíste buenos aires num mapa mitológico que só tu vias
e
muito antes da cidade perceber que se identificava com ele,
imaginaste
alfabetos secretos nas manchas de um jaguar
e
confessavas por vezes teres pena de não teres nascido tigre.
gostavas
de histórias em que um homem sonha com outro
até
perceber que ele próprio é um sonho pelo outro sonhado,
compreendias
que ser cego é ser fácil perder-se em labirintos
e
temias os espelhos por ignorares o que estaria do outro lado.
desejavas
que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca
porque
te sabias um livro escrito e ainda por escrever,
admitias
que a linguagem só pode simular a sabedoria
e
disseste que com o tempo o poema se converte em elegia.
citavas
de cor passagens dos livros que outros te leram:
em
ti se repetia de novo um antigo diálogo com as palavras.
talvez
por isso também gostasses de imaginar um universo
em
que os livros não fossem necessários, por nele qualquer um
ser
capaz de qualquer frase ou um novo verso, em qualquer língua,
e
reconhecias que cada livro contém a promessa de todos os outros.
enfeitiçado
pelos paradoxos do tempo e pela magia do fantástico
foste
procurar esse texto infinito, que contém todas as combinações
possíveis
de todas as letras e palavras em todas as linguagens,
a
biblioteca ideal, a tua biblioteca de babel, esse infindável acervo
incluindo
todos os livros concebíveis, passados, presentes ou futuros…
mas creio
que no fim percebeste que o oposto era mais que provável:
todos
os livros poderiam ser apenas um, e nesse haver uma só palavra.
* para todos os borges em nós borges
18 agosto 2014
como aqui já disse, dá-me um prazer especial constatar uma adesão inesperada aos azuis.
um bom exemplo é esta contribuição, com assinatura do guitarrista dos extintos dire straits.
You can't fool a fooler
, I can tell
When a John got jazzed by a Jezebel
You can't beat the house,
you can't beat the house
Tell the man somebody,
you can't beat the house
When these horn dogs
get lucky with dough
They'll blow it on the rooster
and the girls of Smokey Row
You can't beat the house,
you can't beat the house
Now tell the man somebody,
you can't beat the house
You want to buy you a dance
don't buy it in here
It's all skin games and jelly roll
red-eye and beer
They're all as mean as rat snakes
all got knives in their
boots
Even the piano player, man,
he don't care who he shoots
See that little home wrecker
in the backroom
She'll pick your pocket
with her pet raccoon
You can't beat the house,
you can't beat the house
Tell the man somebody, you can't beat the house
Tell the man somebody, you can't beat the house
17 agosto 2014
creio que aquilo a que hoje chamamos ragtime já existia antes de scott joplin, mas foi ele que lhe definiu os contornos e fixou as regras de um género que se tornou popular. são de sua autoria os famosos "maple leaf rag" e "the entertainer" (celebrizado pela banda sonora do filme "the sting"), mas a minha composição preferida é este tranquilo "solace", onde o típico ritmo sincopado quase está ausente, parecendo por vezes mais um tango.
15 agosto 2014
Coração
habitado
Aqui estão
as mãos.
São os mais
belos sinais da terra.
Os anjos
nascem aqui:
frescos,
matinais, quase de orvalho,
de coração
alegre e povoado.
Ponho nelas
a minha boca,
respiro o
sangue, o seu rumor branco,
aqueço-as
por dentro, abandonadas
nas minhas,
as pequenas mãos do mundo.
Alguns
pensam que são as mãos de deus
— eu sei que
são as mãos de um homem,
trémulas
barcaças onde a água,
a tristeza e
as quatro estações
penetram,
indiferentemente.
Não lhes
toquem: são amor e bondade.
Mais ainda:
cheiram a madressilva.
São o
primeiro homem, a primeira mulher.
E amanhece.
Eugénio de
Andrade
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