A mais perfeita imagem
Se eu
varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que
caem deste arbusto e o chão
que lhes dá
casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me
levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse
esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu
reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada
representa, veria que o arbusto não passa
de um
inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as
manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos,
também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a
Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma
geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema
em tom de conclusão, notaria como o seu
verso
cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua
que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a
erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de
outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um
neurónio meu, unia memória que teima ainda
uma
qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária.
A mais
perfeita imagem da arte. E do adeus.
Ana Luísa
Amaral
É um poema muito profundo. É daqueles que faz pensar bastante e exige cautela no comentário.
ResponderEliminarPor isso gostei que o José Luís o publicasse. Ah, e também acho que está muito adequado à imagem que se segue, "a mais perfeita imagem";)