fábula para borges *
construíste buenos aires num mapa mitológico que só tu vias
e
muito antes da cidade perceber que se identificava com ele,
imaginaste
alfabetos secretos nas manchas de um jaguar
e
confessavas por vezes teres pena de não teres nascido tigre.
gostavas
de histórias em que um homem sonha com outro
até
perceber que ele próprio é um sonho pelo outro sonhado,
compreendias
que ser cego é ser fácil perder-se em labirintos
e
temias os espelhos por ignorares o que estaria do outro lado.
desejavas
que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca
porque
te sabias um livro escrito e ainda por escrever,
admitias
que a linguagem só pode simular a sabedoria
e
disseste que com o tempo o poema se converte em elegia.
citavas
de cor passagens dos livros que outros te leram:
em
ti se repetia de novo um antigo diálogo com as palavras.
talvez
por isso também gostasses de imaginar um universo
em
que os livros não fossem necessários, por nele qualquer um
ser
capaz de qualquer frase ou um novo verso, em qualquer língua,
e
reconhecias que cada livro contém a promessa de todos os outros.
enfeitiçado
pelos paradoxos do tempo e pela magia do fantástico
foste
procurar esse texto infinito, que contém todas as combinações
possíveis
de todas as letras e palavras em todas as linguagens,
a
biblioteca ideal, a tua biblioteca de babel, esse infindável acervo
incluindo
todos os livros concebíveis, passados, presentes ou futuros…
mas creio
que no fim percebeste que o oposto era mais que provável:
todos
os livros poderiam ser apenas um, e nesse haver uma só palavra.
* para todos os borges em nós borges
Conseguiu resumir magnificamente todo o universo de Borges. Já lhe disse o quanto adoro ler as suas fábulas? :-)))
ResponderEliminarpenso que não… ;)
EliminarLer o que escreves e perceber que brincas com as palavras da forma mais bonita que conheço. Mais do que perfeito JL :))
ResponderEliminarnão me façam corar… ;)
EliminarEsta fábula recorda muito bem o quanto Borges contribuiu para renovar a linguagem da ficção, como afirmam muitos estudiosos destes assuntos e é perceptível pela leitura da sua obra.
ResponderEliminarTambém gostei muito desta fábula porque o José Luís utilizou um registo diferente do que tem mostrado aqui nos últimos tempos, mas que considero igualmente delicioso!
gostei que tivesse notado essa diferença ;)
EliminarLê Pedro Páramo! Se ainda não leste, ficarás ainda mais deliciado e verás onde Borges foi beber ;)
ResponderEliminarli há alguns anos. o rulfo é muito bom, mas olha que o "ficciones" é de '44 (...não sei quem bebeu de quem ;) …)
EliminarEna, tens razão! :D
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