31 agosto 2015







há uma controvérsia (ainda) não resolvida acerca deste azul de mckinley morganfield. foi uma das suas primeiras gravações, em 1950, e não restam dúvidas de que se trata de uma sua adaptação de um tema do mississippi dos anos vinte, "catfish blues". a canção passou despercebida e não se entende bem o que o teria levado a gravá-la, ligeiramente diferente, logo no ano seguinte, com o título "still a fool" (que já por aqui passou). esta nova versão atingiu o top-ten do billboard e foi um grande impulso para a sua carreira. a gravação original permaneceu longos anos ignorada mas teve uma "vingança" tardia: a mais célebre revista de música e um dos maiores grupos rock de sempre herdaram o seu nome. nada mal.



Well, I wish I was a catfish,

Swimmin in a oh, deep, blue sea

I would have all you good lookin women,

Fishin, fishin after me

Sure 'nough, a-after me

Oh 'nough, oh 'nough, sure 'nough

I went to my baby's house,

And I sit down oh, on her steps

She said, "C'mon in now, Muddy

You know, my husband just now left

Sure 'nough, he just now left

Oh Lord, oh well, oh well

Well, my mother told my father,

Just before hmmm, I was born,

"I got a boy child's comin',

Gonna be, he gonna be a rollin' stone,


Sure 'nough, he's a rollin' stone"

Oh well he's a, oh well he's a, oh well he's a

Well, I feel, yes I feel,

Feel that I could lay down oh, time ain't long

I'm gonna catch the first thing smokin',

Back, back down the road I'm goin'

Back down the road I'm goin'

Sure 'nough back, sure 'nough back






30 agosto 2015








down with the old toys, up with the new
eugenia loli










"Jadis, si je me souviens bien, ma vie était un festin où s'ouvraient tous les coeurs, où tous les vins coulaient.
Un soir, j'ai assis la Beauté sur mes genoux. - Et je l'ai trouvée amère. - Et je l'ai injuriée.”




Arthur Rimbaud – Une saison en enfer







28 agosto 2015







esta é (mesmo) uma das canções da minha vida, 
um velho standard de jazz popularizado por billie holiday. 
acho piada a esta versão de uma estreante kate davis, cheia de swing.



I'm gonna lock my heart
And throw away the key
‘Cos I'm wise to all those tricks
You played on me

I'm gonna turn my back on love
Gonna snub the moon above
Seal all my windows up with tin
So the love bug can't get in

I’m gonna park my romance
Right along the curb
Hang a sign upon my heart
"Please don't disturb"

‘Cos if I never fall in love again
That's soon enough for me
I'm gonna lock my heart
And throw away the key






27 agosto 2015








[estrada de benfica]











Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...






Alberto Caeiro






25 agosto 2015





fábula  onde  o  tempo  não  corre





por vezes contento-me em mais não ser que ser assim
uma canoa dormindo num areal um sono agreste e cru
e nesses momentos sinto nascer um labirinto em mim
no qual me perco e me descubro: o teu corpo agora nu


porque o teu corpo lembra um mar onde a ondulação morre
e é nele que sempre sempre naufrago quando estás aqui ao pé
sei que nesse oceano há ilhas de mágoa onde o tempo não corre
mas dá-me ao menos uma onda tua, uma só que evoque a maré















[quase foz do tejo]






24 agosto 2015





depois ouve-se um azul
lá fora cai uma chuvinha
(e cá dentro também)




A little rain fallin', a little clock keep away the time

A little rain fallin', the little clock keep away in time

Well now, a little rain keep a-fallin', on this little love of mine



Flowers bloomin' baby, the little birds keep a-singin' tune

The little flowers bloomin', little birds keep-a singin' tune

I would like to love ya baby, underneath the shinin' moon

Love is great baby, just as long as it’s you and me
Love’s so great baby, just as long as it’s you and me
You can’t understand I love you, underneath the deep blue sea





22 agosto 2015






quando "loaded" foi lançado os velvet underground tecnicamente já não existiam, porque lou reed abandonara o grupo. 
durante muitos anos pensei que esta canção era uma espécie de oposto ao "here comes the sun" dos beatles, mas hoje já não tenho tanta certeza.




Who loves the sun
Who cares that it makes plants grow
Who cares what it does
Since you broke my heart

Who loves the wind
Who cares that it makes breezes
Who cares what it does
Since you broke my heart

Pa Pa Pa Pa
Who loves the sun
Pa Pa Pa Pa
Not everyone

Who loves the rain
Who cares that it makes flowers
Who cares that it makes showers
Since you broke my heart

Who loves the sun
Who cares that it is shining
Who cares what it does
Since you broke my heart

Pa Pa Pa Pa
Who loves the sun
Pa Pa Pa Pa
Not everyone






21 agosto 2015







Clarice Lispector
a senhora não devia
ter-se esquecido
de dar de comer aos peixes
andar entretida
a escrever um texto
não é desculpa
entre um peixe vivo
e um texto
escolhe-se sempre o peixe
vão-se os textos
fiquem os peixes
como disse Santo António
aos textos







Adília Lopes













fruits sur un étalage
gustave caillebotte






20 agosto 2015





Falo de um homem que possuía livros de poemas. Foi talvez o único real leitor. Ele abria os livros, um livro. Escolhia um poema. Era um ritual misterioso. Porque ele raspava as letras da página, cuidadosamente, como para conservar a integridade do papel. Raspava e reunia os pedaços negros. Aquecia então água com o vagar próprio da vertigem. Uma estranha ciência de vapores.

A infusão sucedia: a escura substância do poema misturava-se mais e mais com o fervor da água, até ao ponto em que tudo aquilo era vivo. O homem bebia então o poema e o poema flutuava no sangue, atingindo todos os lugares do corpo, reclamando todos os lugares do corpo. Não era previsível o efeito do poema. Cada poema dissolvido, sorvido, feito homem, trazia consigo uma possibilidade própria. O homem crescia com o poema, crescia mais para si, mais para o poema.

O homem que possuía livros de poemas, possuía uma biblioteca em branco. Páginas e páginas de poemas arrancados sem vestígios, um crime perfeito. Era uma biblioteca poética. Uma biblioteca que podia arder.





Vasco Gato









adoro esta velha canção dos xtc e comungo com andy partridge esse sentimento do sagrado que existe nos livros. 
quem não gosta deles é indigno de viver num mundo onde há pensamento e sonho. 
e (verdade!) quando se queimam livros, as pessoas vão a seguir.

 

Books are burning
In the main square, and I saw there
The first eating the text
Books are burning
In the still air
And you know where they burn books
People are next

I believe the printed word should be forgiven
Doesn't matter what it said
Wisdom hotline from the dead back to the living
Key to the larder for your heart and head

Books are burning
In our own town, watch us turn 'round
And cast our glances elsewhere
Books are burning
In the playground
Smell of burnt book is not unlike human hair

I believe the printed word is more than sacred
Beyond the gauge of good or bad
The human right to let your soul fly free and naked
Above the violence of the fearful and sad

The church of matches
Anoints in ignorance with gasoline
The church of matches
Grows fat by breathing in the smoke of dreams
It's quite obscene

Books are burning
More each day now, and I pray now
You boys will tire of these games
Books are burning
I hope somehow, this will allow
A phoenix up from the flames





18 agosto 2015






pequena  fábula  cartesiana





penso                                      (em ti)
logo existo                           (sem ti)














[sem título]
herbert brandl






17 agosto 2015






já por aqui tinha aparecido este grande azul de jimmy reed, mas sabe sempre bem regressar aos clássicos que têm precisamente a nossa idade.



Caress me baby 
Like the wind caress the trees 
Caress me baby 
Like the wind caress the trees 
I want you to love, love me baby 
Like a soft, soft summer breeze 

Down by the river 
On a real moonlighted night 
Down by the river 
On a real moonlighted night 
I want to love, love you baby 
Everything will be all right













[rua do arsenal]





16 agosto 2015






quase me tinha esquecido do prazer que é
ouvir velhas canções dos sundays ao domingo.



Give me a story and give me a bed
Give me possessions
Oh love, luck and money they go to my head like wildfire
It's good to have something to live for, you'll find
Live for tomorrow
Live for a job and a perfect behind, high time

England my country, the home of the free
Such miserable weather
But England's as happy as England can be
Why cry?

And did you know desire's a terrible thing
The worst that I can find
And did you know desire's a terrible thing
But I rely on mine

Did you know desire's a terrible thing
It makes the world go blind
But if desire, desire's a terrible thing
You know that I really don't mind

And it's my life
And though I can't be sure what I want any more
It will come to me later






15 agosto 2015








reflecting
andy warhol










Los espejos




Yo que sentí el horror de los espejos 

no sólo ante el cristal impenetrable 

donde acaba y empieza, inhabitable, 

un imposible espacio de reflejos 



sino ante el agua especular que imita 

el otro azul en su profundo cielo 

que a veces raya el ilusorio vuelo 

del ave inversa o que un temblor agita 



Y ante la superficie silenciosa 

del ébano sutil cuya tersura 

repite como un sueño la blancura 

de un vago mármol o una vaga rosa, 



Hoy, al cabo de tantos y perplejos 

años de errar bajo la varia luna, 

me pregunto qué azar de la fortuna 

hizo que yo temiera los espejos. 



Espejos de metal, enmascarado 

espejo de caoba que en la bruma 

de su rojo crepúsculo disfuma 

ese rostro que mira y es mirado, 



Infinitos los veo, elementales 

ejecutores de un antiguo pacto, 

multiplicar el mundo como el acto 

generativo, insomnes y fatales. 



Prolonga este vano mundo incierto 

en su vertiginosa telaraña; 

a veces en la tarde los empaña 

el Hálito de un hombre que no ha muerto. 



Nos acecha el cristal. Si entre las cuatro 

paredes de la alcoba hay un espejo, 

ya no estoy solo. Hay otro. Hay el reflejo 

que arma en el alba un sigiloso teatro. 



Todo acontece y nada se recuerda 

en esos gabinetes cristalinos 

donde, como fantásticos rabinos, 

leemos los libros de derecha a izquierda. 



Claudio, rey de una tarde, rey soñado, 

no sintió que era un sueño hasta aquel día 

en que un actor mimó su felonía 

con arte silencioso, en un tablado. 



Que haya sueños es raro, que haya espejos, 

que el usual y gastado repertorio 

de cada día incluya el ilusorio 

orbe profundo que urden los reflejos. 



Dios (he dado en pensar) pone un empeño 

en toda esa inasible arquitectura
que edifica la luz con la tersura 

del cristal y la sombra con el sueño. 



Dios ha creado las noches que se arman 

de sueños y las formas del espejo 

para que el hombre sienta que es reflejo 

y vanidad. Por eso nos alarman.







Jorge Luis Borges