31 maio 2014









há um lugar sob o lugar que se perde no sono
onde sabes que és apenas a metade de um rio
há uma âncora fundeada nas tuas mãos vazias
quando procuras num mapa um porto de abrigo
há o medo do naufrágio e a promessa de um sol
sobre praias douradas onde os sonhos se sonham
há uma canção por cantar em cada noite sem luz
em que os anjos dançam de olhos fechados em ti
... e há um amor que um deus pôs no teu coração






Take me down, to the underground
Won't you take me down, to the underground
Why of why, there is no light
And if I can't sleep, can you hold my life
And all I see is you
Take my hand, I lost where I began
In my heart I know all my faults
Will you help me understand
And I believe in you
You're the other half of me
Soothe and heal...
When you sleep, when you dream, I'll be there if you need me,
whenever I hear you sing...
There is a sun, it'll come, the sun, I hear them call me down
I held you once, a love that once, and life had just begun
And you're all I see...
And trumpets blew, and angels flew on the other side
And you're all I see, and you're all I'll need
There's a love that God puts in your heart





















[ montras de lisboa ]










30 maio 2014








sou dos que preferem um nocturno amargo de peter hammill 
à doçura fugaz do falso sol que se esconde ao fim da manhã



Letters in pencil, some of them as heavy as lead,

as dated as carbon, as black as coal, but burning as red.

Clues faintly stencilled: the message, though leeched, is unbled,

as secret as marble - as young, as old, as living, as dead.

And always that laugh
 that comes as though it's from pain:

though I'm lashed to the mast 
still it hammers round my brain.



Laughter in the backbone,
 laughter impossibly wise,

that same laughter that comes
 every time I flash on that look in your eyes

which whispers of a black zone
 which'll mock all my credos as lies,

where all logic is done 
and time will smash every theory I devise.

And the hour-glass is shattered
 only by the magic of your touch

where nothing really matter… No, Nothing matters very much!



So the siren song runs through the ages, 
and it courses through my veins like champagne;

and with all the sweet kisses of addiction 
it's calling me to break my bonds again.



Future memory exploding like shrapnel,
 some splinters escape on my tongue,

some of them scar comprehension...
 beneath the scab they burn, but the wound becomes numbs.

And always the song draws me forward, 
rejoicing in the search and the prayer,

bored with all but the mad,
 the strange, the freak, the impossible dare.

Still your laugh chills my marrow
 till I embrace it on my knees....

Oh, when the mast becomes a flagpole,
 what becomes of me?


What becomes, oh, what becomes of me?




















juliette binoche
laurence sudre









29 maio 2014









O peso dos livros







Pensava que os livros não têm peso. Quero dizer, flutuam no entendimento.
Na memória. Ou melhor: equilibram-se porque não são gente.
Não têm noites, não têm insónias. Não têm sono lá dentro.

Pensava que os livros são menos complexos do que nós. Mesmo quando
não temos linha, quando não temos palavra. Mesmo quando
não conseguimos respirar. Quando pensei nisso,
tive uma vaga noção de título.

E um hálito branco a querer ser página.









Filipa Leal













este é um boogie escrito por don raye e gravado pela primeira vez em 1940. das inúmeras versões mais próximas do original prefiro a de amos milburn, que tem aquele piano irresistível. das covers mais recentes, a melhor ainda é a dos rolling stones, na altura uns miúdos em início de carreira.






d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :







a) amos milburn



b) the rolling stones


Now if you wanna hear some boogie like I'm gonna play 

It's just an old piano and a knockout bass 

The drummer's man's a cat they call Charlie McCoy 

You know, remember that rubber-legged boy? 

Mama cookin' chicken fried and bacon grease 

Come on along boys it's just down the road apiece 



Well there's a place you really get your kicks 

It's open every night about twelve to six 

Now if you wanna hear some boogie you can get your fill 

And shove and sting like an old steam drill 

Come on along you can lose your lead 

Down the road, down the road, down the road apiece





















calçelfie #7

[ auto-retrato de uma espécie em vias de extinção ]









28 maio 2014







Anti-Odisseia






Esta sou eu, Penélope, a insubmissa
Que se nega a desfazer o já tecido,
Uma mulher só
Que penteia nas noites os seus cabelos.
Na ondulação da minha negra cabeleira
Sinto que Ulisses se afasta, se afasta sem remédio.
Não voltes, velho impostor,
Não voltes a Ítaca,
À derrubada casa onde o teu filho
E o teu cão, o teu arco e a tua mulher
Se cansam de esperas e vigílias.
Deixa-te ficar nas margens do leito de Calipso, Rei do Nada.
Deixa-te ficar engolindo os lótus, habitando o esquecimento.










Juan Manuel Roca










[ necessariamente, para a anita ]












karl-heinz stockhausen
henri cartier-bresson









27 maio 2014







fábula  da  primeira  vez





numa idade em que a música popular nos ocupa muita atenção, ela era diferente. não sabia nada dos grupos rock que idolatrávamos e só se interessava por música clássica. para além do liceu estudava também no conservatório, tinha um olhar misterioso e sabia tudo sobre história de arte. ouvia (mesmo) música contemporânea, e falava de dodecafonia e serialismo, palavras que eu nunca tinha ouvido. foi em casa dela que conheci cage e stockhausen (uma epifania). era tão diferente das outras raparigas que creio ter sido essa – para além do abismo daqueles olhos – uma das razões que me levou a querer conhecê-la melhor. ficámos amigos e com o tempo algo mais. uma tarde em que era suposto estarmos a estudar no seu quarto, cedemos à preguiça. ela foi à estante, tirou este album e pô-lo a tocar no gira-discos. deitados na cama a olhar para o tecto, ficámos a ouvi-lo de mãos dadas. e alguns minutos depois a minha primeira vez tinha acontecido. nem sempre sucede associada a uma música – mas por vezes sim. uma amiga confessou-me que, no seu caso, estava a tocar o “whiter shade of pale”. e um colega referiu o “riders on the storm” (grande escolha, por sinal). 
só não conheço mais ninguém que tenha por banda sonora da primeira vez o quinteto para clarinete de mozart.
















26 maio 2014











[ jardins gulbenkian ]

















se me perguntarem quem é o melhor guitarrista de azuis (ou baterista, ou tocador de harmonica) não conseguirei apontar um nome, como é natural. mas se quiserem saber quem foi para mim o tipo mais cool de sempre a tocar ao vivo, não hesito nem um segundo: mckinley morganfield. um exemplo? a abelha náutica ao vivo (adoro este azul).





Sail on, sail on my little honey bee, sail on
You gonna keep on sailing till you lose your happy home

Sail on, sail on my little honey bee, sail on
I don't mind you sailing, but please don't sail so long

All right little honey bee

I hear a lotta buzzing, sound like my little honey bee
She been all around the world making honey
But now she is coming back home to me


















não pensava voltar a falar aqui delas.
mas ontem, enquanto a europa morria lá fora, 
cá dentro de casa assistia ao birth of a nation… sorry, of a shelfie.


shelfie #11









25 maio 2014







"In past times, when one lived in contact with nature, abstraction was easy; it was done unconsciously. 
Now, in our denaturalized age, abstraction becomes an effort".






Piet Mondrian


















the gray tree
piet mondrian









24 maio 2014








(…) 
The Perfectionist pushed Tom onto her bed. She took off his shirt. She took off his shoes and his socks. She took off his pants. She took off his boxers.
With most guys the Perfectionist would stop there. She didn’t. She was still feeling reckless. She took off his skin. She took off his nervous system. She lifted up his rib cage. His heart beat in her hand. And there, underneath it, she found a jewelled golden box. She opened it. Inside she found his hopes, his dreams and his fears. She stared at them. She was surprised to find them there and surprised at how beautiful they were. At that exact moment, the Perfectionist fell in love with Tom. 
(…)







Andrew Kaufman

















apesar da sumptuosa orquestração e da maravilha que é o video (e não apenas por ser a preto&branco), o melhor mesmo é o regresso dos goldfrapp ao cerne das canções.



Pull up the blinds
Open the door wide
Feel the cold arrive
In my bones
Put on my face
The way I dressed today
Feel like you tonight
On my day

Falling little more
You bumped and crashed in dirty snow
Up to our sin, I might as well
Melt into Sunday
Remember the time
We stood there by the lake
Watching boats and planes
Pretty white clouds

The sun will sweat
In fact the song begins
Trees are your skin
On my tongue
Falling little more
You bumped and crashed in dirty snow
Up to our sin, I might as well
Melt into Sunday

Pull up the blinds
Open the door wide
Feel the cold arrive
In my bones
You, me and more
We bumped and crashed in dirty snow
Up to our sin, we might as well
Melt into Sunday

La la la la la la la la la
We know you're, you're not how it seems
Don't have a point
You're not there for the stay
When I will wish you could
Wish that you were there
 You could
You're dying in here
You could be here soon
You stumble on a river









23 maio 2014











[ruas de lisboa]

















soneto do amor e da morte







quando eu morrer murmura esta canção 

que escrevo para ti. quando eu morrer 

fica junto de mim, não queiras ver 

as aves pardas do anoitecer 

a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão, 

põe os olhos nos meus se puder ser, 

se inda neles a luz esmorecer, 

e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer, 

sempre a doer de tanta perfeição 

que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater, 

quando eu morrer segura a minha mão.










Vasco Graça Moura








22 maio 2014












[ um desejo chamado eléctrico ]
















ouvi-o ao vivo há uns anos no coliseu e dele tenho alguns discos. nem sempre parece ter o fraseado certo ou aquela energia que distingue os grandes saxofonistas, mas aqui é brilhante, pleno de cor e groove - e a jogar às escondidas connosco.













21 maio 2014








Para que as coisas resultem,
a nossa escuridão tem de ficar
bem clara.

Promete-me
que a tudo o que o amor possa ter de sujo
brindaremos com copos de cristal.









Ana Tecedeiro