31 dezembro 2014





chega ao fim mais um ano e também eu estou a ficar sem milagres. amanhã assistirei ao nascer do sol sentado no banco solitário com os meus capitães tristes: a escrita, a leitura, a música, borges, pessoa, bach, davis, os que escolhi para ter a certeza de que se passamos por este caminho apenas uma vez, então foi um desperdício de tempo mais-que-perfeito.


I'm running out of miracles Oh my soul
And the streets are lined with one-man shows Oh my soul
The corner boys were moved along Oh my soul
We're plummeting like crippled crows Oh my soul

Oh, long before you and I were born
Others beat these benches with their empty cups
To the night and the stars
To be here, and now, and who we are

Another sunrise with my sad captains
With who I choose to lose my mind
And if it's all we only pass this way but once
What a perfect waste of time

The BMX apothecary Oh my soul
The architect of infamy Oh my soul
For each and every train we missed Oh my soul
A bitter little Eucharist

What a perfect waste of time












self-portrait with internal landscape
colette calascione





30 dezembro 2014







fábula  dos  livros  das  ondas





bom é quando os salpicos do mar tornam o teu corpo branco como a cal
e as marés se amontoam em nós nas páginas de um diário escrito a sal
e eu fecho os olhos e leio-me nesses livros das ondas que sulcamos afinal


(que o teu barco seja a pele desta vela que desfraldo em ti
que a tua vela seja o barco desta pele que navega em mim
que a tua pele seja a vela deste barco que naufraga em nós)






29 dezembro 2014






o último azul deste ano é um instrumental acústico do grande stevie ray vaughan, desaparecido precocemente num estúpido acidente de helicóptero. desde esse dia trágico de 1990 algo nos azuis passou a fazer falta.














Desfez-se a coroa de geleia que rodeava
a cidade. Aqui nasci entre fuligens
e gente escrupulosamente perdida,
blues sangrado numa harmónica afiada,
e a minha boca não mais
beijou a pureza.
Alteraram-se-me os ossos quando vi
essa grande nuvem, funesto cavalo marinho,
abater-se sobre o porto incompetente,
sobre os estendais ataviados de suor,
sobre a fotografia da minha
família estafada.
Agora não havia história, era eu e o mar
misturado aos humores do céu,
novamente o blues e o seu esgar de nojo,
a sua esmola de amor.
Nunca pensei em estudar nada que me fosse útil.
Para isso haverá revólveres e pneus,
e nenhuma coisa que a essas se assemelhe
me poderia curar do que tenho.
Algodões infectos, balões de soro que flutuavam
pelos tectos fugidios e encardidos,
o meu médico soube de imediato que eu haveria
de levar outra vida: era o blues.
Quando me sucede parar a meio da praça,
onde já o subterrâneo freme nos carris de outra poesia,
penso na serena convulsão das cidades,
desmontando-se e montando-se como os dentes
de um louco que a minha insónia me oferece,
tantas vezes empoleirado no tamborete azul
onde a minha cozinha encontra repouso.
E o meu bairro é uma cadência dos campos de algodão,
esses sim puros, ternamente mastigados
pelo sol da existência,
e sempre um comboio bolçando enormes chifres
de carvão, para que no firmamento se escreva
a minha (?) luta intestina.
A morte vencerá, é claro, exceptuando talvez
se lhe adiantarmos tudo: celofanes, selos timbrados,
vasos de flores, cada porta
do nosso ódio.
A coroa de geleia escorre crepuscular,
partiu um táxi provavelmente destinado ao coração
do desamparo, raparigas saltitam pelo elástico
do meu silêncio, e eu, que tenho estado quieto,
acendo-me de relâmpagos, como a boca do vulcão,
e esfrangalho o ar com o meu
blues meridional.







Vasco Gato






28 dezembro 2014







the smiths
stephen wright








por vezes penso naquilo que seriam os smiths se nunca tivessem acabado. o mais certo era terem sido tragados pela mainstream que tanto criticaram, morrissey tornar-se um bobo da corte, bufão de si mesmo, e marr perder a criatividade e começar a repetir-se canção após canção. terá sido esse o preço a pagar para ficarem na história como o grupo pop mais-que-perfeito dos anos oitenta, acabar ao fim de quatro anos e quatro albuns? e que diferença faria?



All men have secrets and here is mine

So let it be known

For we have been through hell and high tide

I think I can rely on you

And yet you start to recoil

Heavy words are so lightly thrown

But still I'd leap in front of a flying bullet for you

So, what difference does it make?

So, what difference does it make?

It makes none

But now you have gone

And you must be looking very old tonight

The devil will find work for idle hands to do

I stole and I lied, and why?

Because you asked me to

But now you make me feel so ashamed

Because I've only got two hands

Well, I'm still fond of you, oh ho oh

So, what difference does it make ?

Oh, what difference does it make ?

Oh, it makes none

But now you have gone

And your prejudice won't keep you warm tonight

Oh, the devil will find work for idle hands to do

I stole, and then I lied

Just because you asked me to

But now you know the truth about me

You won't see me anymore

Well, I'm still fond of you, oh ho oh

But no more apologies

No more, no more apologies

Oh, I'm too tired

I'm so sick and tired

And I'm feelin' very sick and ill today

But I'm still fond of you, oh ho oh

Oh, my sacred one

Oh, oh, oh
, ohh




27 dezembro 2014








naples 
joseph cornell










o cão é o melhor amigo do homem
a cabra é a melhor amiga do homem
a quebra é a melhor amiga do homem
a cobra é a melhor amiga do homem
o colo é o melhor amigo do homem
a cola é a melhor amiga do homem
a cama é a melhor amiga do homem
a lama é
o lume não






Regina Guimarães






26 dezembro 2014






não sei bem se é por causa da melodia ou pela voz de jimmy durante, se é a orquestração de gordon jenkins ou a confiança optimista no poder do amor inscrita na letra, mas aquilo que começou por ser apenas uma música romântica da banda sonora do filme “sleepless in seattle” nos últimos anos tornou-se uma das minhas canções preferidas.



It's so important to make someone happy
Make just one someone happy
Make just one heart to heart you, you sing to

One smile that cheers you
One face that lights when it nears you
One girl you're - you're everything to

Fame, if you win it
Comes and goes in a minute
Where's the real stuff in life, to cling to?

Love is the answer
Someone to love is the answer
Once you've found her
Build your world around her

Make someone happy
Make just one someone happy
And you will be happy too













[jardins do museu de arte antiga]






25 dezembro 2014





Último poema




É Natal, nunca estive tão só.
Nem sequer neva como nos versos
do Pessoa ou nos bosques
da Nova Inglaterra.
Deixo os olhos correr
entre o fulgor dos cravos
e os dióspiros ardendo na sombra.
Quem assim tem o verão
dentro de casa
não devia queixar-se de estar só,
não devia.






Eugénio de Andrade













christmas morning
andrew wyeth





22 dezembro 2014






este azul foi escrito em 1925 pelo pianista lemuel fowler e gravado no ano seguinte pela grande (e esquecida) clara smith. foi rapidamente adaptado pelas bandas de jazz tradicional e com o passar dos anos tornou-se um standard. ouvi-o uma vez tocado ao vivo em new orleans, não por este grupo, mas a atmosfera era mais ou menos a mesma: um azul tocado no meio da rua, onde apetece dançar: uma massagem para a alma e uma festa para os sentidos.







21 dezembro 2014

20 dezembro 2014






meio escondida no seu último album, esta é uma das minhas canções preferidas de miss goldfrapp e will gregory, uma espécie de clássico instantâneo. e desde logo fiquei a pensar no que seria o clip. e valeu a pena esperar: adapta-se a letra a uma elegia quase pungente do percurso de uma serial killer, numa atmosfera de terrível beleza à beira-mar, sempre naquele maravilhoso preto&branco - e com a surpresa final de poder vir a ser a própria alison a última vítima. genial.




Stranger, when you look at me
Eyes strong as steal
Light as day
Born a mystery
You're the in between
Boy or girl

Wilder, than I've known before
Fire rushes through
Every vain
With a smile that sings
You'll be killing me tenderly

Every word is soft as fur
I'm drifting deep deeper in
Stranger, will you remember
Stranger, make me remember you

Taken by the crowd a tide
It's there then gone do or die
Stranger, I dream of you and
Stranger, I will never know





19 dezembro 2014






Livro de água




Fecho as páginas da noite. E
um livro de luz fica-me nas mãos,
queimando-me os dedos e os olhos
com o seu quente fulgor.

Ponho esse livro numa estante
lacustre. As suas folhas cobrem rãs
e nenúfares; e a música da água
inunda-o, apagando o seu fogo.

Ninguém sabe o que está nesse
livro; que obscuras frases o enchem
de inquietação; que luminosas
conclusões o libertam de sombra.

Busco o enigma do seu título
- exíguo retrato de um rosto
passado, em cujo rasto me perco,
engano de rumo nas entranhas
do nome.







Nuno Júdice












[arsenal de marinha - ribeira das naus]