30 junho 2014





d e s c u b r a
a s
s e t e
d i f e r e n ç a s :






albert nelson king teve o nascimento perfeito: uma plantação de algodão no mississippi. juntamente com freddy king e b.b. king, é considerado um dos três reis da guitarra azul. era um homem grande (quase dois metros, mais de cem quilos) que começou por cantar gospel e ser baterista, até aprender a tocar uma guitarra feita por si a partir de uma caixa de charutos. talvez por isso, após a chegada dos instrumentos eléctricos, tenha desenvolvido uma técnica muito própria, nunca usando a sexta corda. este azul famoso tem uma cover emblemática do senhor clapton. vale a pena descobrir as sete diferenças entre as serras de corte de




a) albert



e  


b) eric


I'm a cross cut saw, just drag me 'cross your log
I'm a cross cut saw, just drag me across your log
I cut your wood so easy for you, you can't help but say 'Hot dog!'

I've got a double-bladed axe, that really cuts good
I'm a cross cut saw, just bury me in the wood

I'm a cross cut saw, just drag me 'cross your log
I cut your wood so easy for you, you can't help but say 'Hot dog!'

Some call me wood-choppin' Sam
Some call me wood-cuttin' Ben
Last girl I cut the wood for, want me back again

I'm a cross cut saw, just drag me 'cross your log
I cut your wood so easy for you, you can't help but say 'Hot dog!'













wim wenders
laurence sudre




29 junho 2014





stan getz sabia estar doente quando gravou a sua actuação no café montmartre acompanhado apenas pelo pianista kenny barron, numa espécie de revisitação de alguns temas clássicos que a maior parte não percebeu ser uma despedida. o seu sopro já não é o mesmo dos primeiros anos, mas nunca o seu sax foi tão envolvente: sentimos que é demasiado perfeito para ser apenas um lamento.














gas
edward hopper




27 junho 2014






e é mesmo dos antípodas que vem uma das (minhas) mais recentes esperanças no futuro. nascido na nova zelândia mas a viver em nova iorque há muitos anos, dean wareham (finalmente a solo depois dos galaxy 500 e luna) assume uma sonoridade mais “americana” e, pelo menos para mim, vai a pouco e pouco ficando mais próximo de kurt wagner e bill callahan. até que enfim.



the air you breathe
land and seas
ruled by heartless people
wars are fought
lovers caught
all by heartless people
but you, you and i
hate to see a flower die
somebody tell me
which way the power lies

i looked at you
and knew you were for me
among them heartless people
and when we met
the hard times just left
along with heartless people
but you, you and i
hate to hear a baby cry
somebody tell me
which way the power lies

no one ever really knew
the trouble in my heart
she had a way with me
right from the very start
before i take my last breath
before they call me home
you can hope for the best
of what is written in stone












eyes in the heat
jackson pollock




26 junho 2014





Descrição da cidade de Lisboa





A rapariga a pensar naquilo, a rapariga ao sol, menina a comer
cachorro quente, menina a dançar na rua, rapariga do dedo
no olho, do dedo na árvore. Rapariga de braços levantados,
rapariga de pés baixos, rapariga a roer as unhas, rapariga a ler
jornal, rapariga a beber um líquido chardonnay, rapariga no
vão de escada, rapariga a levar na cara. Rapariga aflita, rapa-
riga solta, rapariga abraçada, rapariga precisada. Rapariga
a fumar charuto, rapariga a ler Forster, rapariga encostada
na palmeira, rapariga a tocar piano. Rapariga sentada em
Mercúrio ao lado de um leão, rapariga a ouvir discurso de
Ghandi, rapariguinha do shopping. Rapariga feita de átomos
e sombra. Rapariga de um ponto ao outro e medindo qua-
renta e dois centímetros, rapariga impávida, rapariga serena.
Rapariga apaixonada por igreja quinhentista, rapariga na
moto a trocar velocidades a mudar o jeito. Rapariga que ofe-
rece à visão o hábito da escuridão e depois logo se vê. Rapa-
riga de ossos partidos, rapariga de óculos negros, rapariga
de camisola em poliéster, rapariga debruçada na cadeira da
frente no cinema, rapariga a querer ser Antonioni. Rapa-
riga estável, rapariga de mentira, rapariga a tomar café em
copo de plástico, rapariga orgulhosa, rapariga na proa da
nau africana. A rapariga a cair no chão, rapariga de pó na
cara, rapariga abstémia, rapariga evolucionista. Rapariga de
rosto cortado pela faca de Alfama, rapariga a fugir de com-
promissos, rapariga a mandar o talhante à merda, rapariga a
assobiar, rapariga meio louca. Rapariga a deslizar manteiga
no pão, rapariga a coçar um cotovelo, rapariga de cabelo
azul. Rapariga a brincar com um isqueiro no bolso, rapa-
riga a brincar com um revólver nas calças, rapariga a nadar,
rapariga molhada, rapariga a pedir uma chance só mais uma
ao santo da cidade. Rapariga a ostentar decote no inverno,
rapariga a olhar pelo canto do olho esquerdo, rapariga a ser
homem, rapariga na cama. Rapariga a subir o volume, rapa-
riga a querer ser Dylan, rapariga a cuspir no chão. A rapariga
a girar a girar a girar a girar no eixo de uma saia de seda
amarela. Amarela da cor de um feixe de luz apanhado numa
esquina.







Matilde Campilho














[ rapariga impávida em montra de lisboa ]





25 junho 2014

24 junho 2014





fábula  das  grafias  de  um  amor  moderno





:)
:-)
- ?
-
- !…
;-)
, ?
;
!)
!) !
:b
:-(
<3
<3<3<3







[ele queria sorrir e escrevia um pontinho em cima de outro pontinho e o lado direito de um parênteses
ela estava de acordo e escrevia um pontinho por cima de outro pontinho e um traço e o lado direito de um parênteses
ele perguntava por que razão escrevia ela um traço entre o pontinho por cima de outro pontinho e o lado direito de um parênteses
ela respondia que queria escrever um nariz que estaria como é habitual entre os olhos do pontinho por cima de outro pontinho e a boca do lado direito de um parênteses
ele comentava que só alguém muito senhora do seu traço se lembraria de inventar um nariz com um traço
ela rematava com um pontinho por cima de uma vírgula e um traço e o lado direito de um parênteses
ele questionava para que servia uma vírgula por baixo de um pontinho e um traço e o lado direito de um parênteses
ela retrucava que ele não tinha imaginação nenhuma porque se tivesse alguma teria desde logo percebido que ela estava a piscar-lhe o olho
ele argumentava zangado que achava que piscar o olho era escrever um ponto de exclamação e o lado direito de um parênteses
ela desdenhava e dizia que nunca um ponto de exclamação poderia servir para piscar os olhos porque o olho fechado fica enorme em relação ao outro e se perde todo o efeito pretendido
ele irritado queria deitar-lhe a língua de fora e escrevia um pontinho por cima de outro pontinho e um b minúsculo
ela entristecida redigia um pontinho por cima de outro pontinho e um traço e o lado esquerdo de um parênteses
ele arrependido insinuava o sinal de menor e o algarismo três e tentava fazer as pazes
ela escrevia apaixonada o sinal de menor e o algarismo três três vezes e rendia-se por fim ao amor]












[rua anchieta]





23 junho 2014





uma das coisas com piada na net é a quantidade de portais, murais e locais onde se pode buscar música instrumental para improvisar. este é um azul, que apesar de valer por si só, permite que qualquer um o possa aproveitar para uma espécie de karaoke e tocar um instrumento ou arriscar e inventar vocais. vá, experimenta, não está ninguém a ouvir…















[estufa fria]





21 junho 2014






peter pegara na partitura de george, enquanto 
se cumpria mais um solstício e o terceiro calhau,
na sua elipse cósmica, se aproximava o mais
que podia do calor da estrela: chegara o verão...



Summertime,
And the livin' is easy
Fish are jumpin'
And the cotton is high

Your daddy's rich
And your mamma's good lookin'
So hush little baby
Don't you cry

One of these mornings
You're going to rise up singing
Then you'll spread your wings
And you'll take to the sky

But till that morning
There's a'nothing can harm you
With daddy and mamma 
Standing by














we are family
(retrato de grupo com árvore genealógica)






20 junho 2014

[ o poema de ontem era um prelúdio para a banda sonora de hoje ]





i. esta canção apareceu no primeiro álbum de waits, há mais de quarenta anos. bem sei que ele canta sobre um velho chevrolet de 1955, mas hoje apetece-me pensar que está a cantar sobre mim. yep, i’m fifty-five today... mas com uma estrada aberta pela frente.




ii. olho para trás pelo retrovisor e nesse momento sei (aliás, sempre o soube): a vida por cumprir é como esta estrada – apenas uma canção comprida.




iii. entretanto anoiteceu: ao volante (não de um chevrolet, não cada vez mais perto de sintra, mas cada vez menos perto de mim) torna-se claro que a estrada é um lugar solitário – até se começar a percorrê-la…








19 junho 2014








se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida


sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor


depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo


mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição








Al Berto








(ainda a propósito do poema de ontem)









burning in a forbidden sea
rui chafes









18 junho 2014








Poema de amor






1.
Tu és a minha aranha favorita


2.
Não sabem quanto eu gosto
de me sentir em palpos de aranha









Jorge Sousa Braga