leituras de julho
29 julho 2020
26 julho 2020
23 julho 2020
a palavra que faltava
eu quero apenas a palavra que ainda ninguém disse,
selvagem e indomável, isenta de voz e ausente da sua
ária, omissa nos cânticos, negligente e sem memória.
eu quero a palavra toda, capaz de descrever o nada e
o tudo que sinto quando a leio, que após ser escrita
nos obriga a imaginar que não sobram outras letras,
indecifrável nos dicionários, inaudita nos silêncios.
eu quero a palavra imprevisível que ninguém espera,
que lida hoje não será a mesma amanhã, que troca as
letras para me enganar permanentemente. eu quero a
palavra impossível, com cinco is como impingiríeis ou
inimicíssimo, nascida de horas sombrias que aprendeu
a combater sem cicatrizes visíveis. eu quero a palavra e
o seu oposto, a palavra sem rosto, a última que faltava
para completar o poema, sem o conseguir na verdade.
12 julho 2020
introdução à poesia
pedi-lhes para tomarem um poema
e o erguerem contra a luz
como um slide a cores
ou encostarem um ouvido à sua colmeia.
disse-lhes larguem um rato num poema
e observem-no a sondar a sua saída,
ou caminhem dentro do quarto do poema
e procurem nas paredes um interruptor.
quero que pratiquem ski aquático
através da superfície de um poema
acenando ao nome do autor na costa.
mas tudo o que eles pretendem fazer
é amarrar o poema a uma cadeira e
torturá-lo até obterem uma confissão.
começam a bater-lhe com uma mangueira
para descobrir o que ele significa mesmo.
Billy Collins
(tradução minha)
08 julho 2020
O soldado na praça Tianamen
Olha em frente um ponto cego
um rumor que não tem pressa de ser som
nada sente nem procura
perde-se hirto no vazio
a areia do tempo cai-lhe corpo abaixo
caule sem seiva nem ramos
a cabeça indiferente numa espera inútil
flutua no verde azeitona da farda larga e triste
que a brisa solta da tarde levemente sacode
como um poste seco no deserto
um rumor que não tem pressa de ser som
nada sente nem procura
perde-se hirto no vazio
a areia do tempo cai-lhe corpo abaixo
caule sem seiva nem ramos
a cabeça indiferente numa espera inútil
flutua no verde azeitona da farda larga e triste
que a brisa solta da tarde levemente sacode
como um poste seco no deserto
José Manuel de Vasconcelos
01 julho 2020
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