26 julho 2020





em demanda do nocturno mais-que-perfeito
recordei este velho standard, revisitado em
boa hora por louis armstrong e oscar peterson











23 julho 2020





a  palavra  que  faltava





eu quero apenas a palavra que ainda ninguém disse,
selvagem e indomável, isenta de voz e ausente da sua
ária, omissa nos cânticos, negligente e sem memória.
eu quero a palavra toda, capaz de descrever o nada e
o tudo que sinto quando a leio, que após ser escrita
nos obriga a imaginar que não sobram outras letras,
indecifrável nos dicionários, inaudita nos silêncios.
eu quero a palavra imprevisível que ninguém espera,
que lida hoje não será a mesma amanhã, que troca as
letras para me enganar permanentemente. eu quero a
palavra impossível, com cinco is como impingiríeis ou
inimicíssimo, nascida de horas sombrias que aprendeu
a combater sem cicatrizes visíveis. eu quero a palavra e
o seu oposto, a palavra sem rosto, a última que faltava
para completar o poema, sem o conseguir na verdade.







12 julho 2020






introdução  à  poesia




pedi-lhes para tomarem um poema
e o erguerem contra a luz
como um slide a cores


ou encostarem um ouvido à sua colmeia.


disse-lhes larguem um rato num poema
e observem-no a sondar a sua saída,


ou caminhem dentro do quarto do poema
e procurem nas paredes um interruptor.


quero que pratiquem ski aquático
através da superfície de um poema
acenando ao nome do autor na costa.


mas tudo o que eles pretendem fazer
é amarrar o poema a uma cadeira e
torturá-lo até obterem uma confissão.


começam a bater-lhe com uma mangueira
para descobrir o que ele significa mesmo.




Billy Collins




(tradução minha) 

08 julho 2020





O  soldado  na  praça  Tianamen



Olha em frente um ponto cego
um rumor que não tem pressa de ser som
nada sente nem procura
perde-se hirto no vazio
a areia do tempo cai-lhe corpo abaixo
caule sem seiva nem ramos
a cabeça indiferente numa espera inútil
flutua no verde azeitona da farda larga e triste
que a brisa solta da tarde levemente sacode
como um poste seco no deserto




José Manuel de Vasconcelos





01 julho 2020






fábula  cromossexual



o infravermelho apaixonou-se pelo ultravioleta
apesar da vasta barreira cromática entre ambos.
para se sentirem mais próximos, pois é sabido
que os extremos gostam de se tocar, decidiram
fundir-se com as cores que os separavam. e foi
assim que nasceu a famosa página em branco.