29 janeiro 2018






fábula  para  antónio  ramos  rosa





nestes finais de tarde de uma lisboa que desaparece no olhar
enquanto o sol ensonado se vai deitando sobre os telhados,
a memória traz-me muitas vezes a recordação do ramos rosa.
porque, como ele, também eu esperava que, ao escrever, um
misterioso entusiasmo produzisse na página branca o cristal
do mundo e as suas árvores, os seus amantes e os seus rios
como vozes mágicas de um cântico ancestral, por ninguém
entoado antes das palavras terem sido inventadas. e que a
água, imóvel entre as brancas ruínas desta escrita que se me
escapa, não reflectisse as imagens nem os sonhos, e à violência
dos flancos das figuras trouxesse o êxtase de uma beleza que não 
fluísse e se perdesse na lembrança da foz deste tejo que anoitece.





25 janeiro 2018





é a canção que abre o novíssimo disco de miss dacus,
um dos mais aguardados do ano. e, caramba, logo em janeiro
a fasquia fica desde já assim elevada... quem conseguirá suplantar
esta improvável miúda de richmond, virginia? (é que isto é tão tão tão bom)




you got a 9 to 5, so i’ll take the night shift
and i’ll never see you again if i can help it
in five years i hope the songs feel like covers
dedicated to new lovers






23 janeiro 2018






(durante as recorrentes visitas à biblioteca de arte da gulbenkian ao longo do último ano,
enquanto pesquisava e escrevia sobre as tentações de jheronimus van aken, dito bosch, fui
visitando o museu da fundação e, aos poucos, apaixonei-me por esta jovem, que tem tanto
de belo quanto de inacessível. um dia invento uma história e escrevo um livro sobre ela.)







ritratto di giovane donna
domenico ghirlandaio






20 janeiro 2018






escrita por gerald marks e seymour simons em 1931, 
foi pela primeira vez ouvida na radio pela voz de belle baker
e finalmente gravada por ruth etting uns meses depois.
desde então tornou-se um dos mais populares standards de jazz,
com centenas de versões e covers. recordo hoje a de lady day.




all of me
why not take all of me can't you see i'm no good without you take my lips i want to lose them take my arms i'll never use them your goodbye left me with eyes that cry how can i go on dear, without you you took the part that once was my heart so why not take all of me





15 janeiro 2018






os calhaus rolantes num clássico de eddie taylor, aqui com mais adrenalina
(e miss stewart a guiar um mustang azul, como não podia deixar de ser...)









11 janeiro 2018





Quem somos




Quem somos, senão o que imperfeitamente 
sabemos de um passado de vultos
 
mal recortados na neblina opaca,
 
imprecisos rostos mentidos nas páginas
 
antigas de tomos cujas palavras
 

não são, de certo, as proferidas,
 
ou reproduzem sequer actos e gestos
 
cometidos. Ergue-se a lâmina:
 
metal e terra conhecem o sangue
 
em fronteiras e destinos pouco
 

a pouco corrigidos na memória
 
indecifrável das areias.
 
A lápide, que nomeia, não descreve
 
e a história que o historia,
 
eco vário e distorcido, é já
 

diversa e a si própria se entretece
 
na mortalha de conjecturados perfis.
 
Amanhã seremos outros. Por ora
 
nada somos senão o imperfeito
 
limbo da legenda que seremos.
 




Rui Knopfli




08 janeiro 2018





[e.f.e.m.é.r.i.d.e]



festeja hoje 71 risonhos invernos o imortal david robert jones. começou a carreira como cantor em bandas quase anónimas, dedicadas a tocar covers de blues, como os king-bees, os manish boys e os lower third. mais tarde, porque o seu nome (davie jones) se confundia com o dave jones dos monkees, inventou-se numa nova persona, inspirada pela história do americano jim bowie e da faca que popularizou.
o resto - a golpes de lâmina - é história. aqui fica um dos seus primeiros singles. king-kongratulations ziggy!





07 janeiro 2018

04 janeiro 2018




lamento  de  pasífae





eu, a que tudo ilumina com estes cabelos tão ruivos,
que jamais aplaudi a beleza e nunca a senti demasiado,
não resisti ao canto da carne. a lascívia tomou-me a voz
e ordenei a dédalo que concebesse uma vaca oca,
com suficiente espaço interior para adaptar o meu
corpo a essas bovinas formas, inflamando o desejo
daquele belíssimo touro branco de chifres dourados.


moldei o meu corpo ao teu, deixei o teu corpo no meu,
olhei os meus olhos nos teus e algo cresce agora em mim.