29 janeiro 2018






fábula  para  antónio  ramos  rosa





nestes finais de tarde de uma lisboa que desaparece no olhar
enquanto o sol ensonado se vai deitando sobre os telhados,
a memória traz-me muitas vezes a recordação do ramos rosa.
porque, como ele, também eu esperava que, ao escrever, um
misterioso entusiasmo produzisse na página branca o cristal
do mundo e as suas árvores, os seus amantes e os seus rios
como vozes mágicas de um cântico ancestral, por ninguém
entoado antes das palavras terem sido inventadas. e que a
água, imóvel entre as brancas ruínas desta escrita que se me
escapa, não reflectisse as imagens nem os sonhos, e à violência
dos flancos das figuras trouxesse o êxtase de uma beleza que não 
fluísse e se perdesse na lembrança da foz deste tejo que anoitece.





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