"A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma
espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está
um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida,
não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas, nos animais e
nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim
do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré
da vida. Cada lágrima que me escorre por vezes pela cara ao adormecer, cada
aperto de angústia na garganta que sinto quando acordo de manhã e me lembro de
que tenho cancro, cada assomo de tristeza que me obriga a sentar-me por vezes à
beira do caminho quando vou passear com os cães e interrompe a oração ou a
conversa com o céu que me embalava o espírito, cada um destes sinais provém do
falhanço momentâneo do amor dos outros em amparar-me, e sobretudo do meu em
permitir-lhes que me acompanhem. Quando, pelo contrário, decorre um dia em que
consigo escrever e gosto daquilo que escrevo, em que me curvo sobre os
canteiros para cortar ervas daninhas, em que admiro amorosamente a energia da
Patrícia sentada ao computador ou a trazer lenha para casa, quando isto sucede,
o meu tempo já não é o Tempo Comum mas antes um longo domingo de Páscoa: sinto
a presença amorosa de todos os que precisam de mim e d’Aquele de quem eu
preciso."
(excerto de "Morrer é mais difícil do que parece")
Paulo Varela Gomes (1952-2016…(
Acabei agora de ler o texto a que este excerto pertence, datado de 10 Abril 2015.
ResponderEliminarUm relato muito forte... Talvez a necessidade de escrever passasse por uma espécie de catarse.
josé luís, obrigada pela partilha.
apesar de ser uma crónica anunciada, tinha-me habituado, como sempre acontece comigo, a esperar que não acontecesse.
Eliminarpois... eu também não estava nada à espera...
ResponderEliminarpois…
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