31 outubro 2015







numa noite de chuva, um pouco de céu na terra numa ária de handel pela voz superlativa de mlle. petitbon, que vou poder rever em abril.



Lascia ch'io pianga mia cruda sorte
E che sospiri la liberta

Lascia ch'io pianga mia cruda sorte
E che sospiri la liberta
E che sospiri
E che sospiri la liberta

Lascia ch'io pianga mia cruda sorte
E che sospiri la liberta

Il duolo infranga queste ritorte
De miei martiri sol per pieta
De miei martiri sol per pieta

Lascia ch'io pianga mia cruda sorte

E che sospiri la liberta







29 outubro 2015





  
sou eu




sussurro muito baixinho que gosto de ti. parece que não ouves, mas sentes. não é da voz que me saem as palavras, é da alma e de mansinho, é a alma feita voz, reivindicando a sua percentagem de condição humana. gosto de ti, e este gostar envolve-te em pedacinhos de algodão, beija-te na testa, tacteia o teu rosto, passeia as pontas dos dedos pela tua mão. 

a minha alma hoje dá-se os direitos do corpo, e quando estiveres a dormir, vai enroscar-se nos teus braços, num aconchego morno. tu nem vais dar por ela, vais pensar que é um sonho e sorrir. sou eu.






Ana Paula Esteves






(lê-se num sussurro muito melhor aqui)

28 outubro 2015







há dias "postei" uma fotografia de uma mesa posta (passe o pleonasmo...), à espera de amigos. e lembrei-me que se tivesse que escolher uma banda sonora para o momento, ela recairia sempre nesta balada clássica dos stones. o clip retrata um grupo de amigos que são músicos e vão tocar num bar, mas não faz justiça ao que parece sempre ausente: 
o saxofonista. e que na gravação em estúdio era nem mais nem menos que o grande sonny rollins, um dos gigantes
do jazz. o solo original que improvisou ficou como um daqueles raros momentos mais-que-perfeitos.



Watching girls go passing by
It ain't the latest thing
I'm just standing in a doorway
I'm just trying to make some sense
Out of these girls go passing by
The tales they tell of men
I'm not waiting on a lady
I'm just waiting on a friend

A smile relieves a heart that grieves
Remember what I said
I'm not waiting on a lady
I'm just waiting on a friend
I'm just waiting on a friend

Don't need a whore
I don't need no booze
Don't need a virgin priest
But I need someone I can cry to
I need someone to protect
Making love and breaking hearts
It is a game for youth
But I'm not waiting on a lady
I'm just waiting on a friend






26 outubro 2015






permanece aberta a controvérsia em torno da autoria deste "azul em verde". apareceu nesses dois grandes discos de 1959 (no "portrait in jazz" de bill evans e no "kind of blue" de miles davis) e ambos afirmaram na altura serem os autores do tema. apesar das muitas histórias que se contam, o mais lógico ainda parece ter sido evans o autor da melodia para piano (e o seu trio) e davis escrito o solo para trompete da sua versão, que já por aqui apareceu.









25 outubro 2015






“I’ve been working on the same Olympus Typewriter since I was 16. All of my films were written on that typewriter, but until recently I couldn’t even change the color ribbon myself. There were times when I would invite people over to dinner just so they would change the ribbon. It’s a tragedy.”




Woody Allen






24 outubro 2015








[cais das colunas]











num barco no rio




num barco no rio,
num barco subindo
o rio te peço
que amanhã não vás,
que não vás embora
deste rio minho,
que não te separes
do rasto do barco,
dessa ágil espuma,
do vento a passar
pelos teus cabelos
e do sol na cara,
nem de mim que te olho
nos olhos, pedindo.
há gente nas margens?
haverá, não sei.
há velas, motores,
arvoredos, ilhas?
há esquiadores?
pedregulhos, perigos,
sombras da boega?
é forte a corrente?
sei lá. sei que peço
fiques mais um dia
e não quero, não,
que te vás embora.







Vasco Graça Moura






22 outubro 2015







já fez quarenta anos esta colaboração de brian eno com phil manzanera - e a voz e percussão de robert wyatt. 
estas canções devem ter envelhecido mesmo bem porque há quem as ouça agora pela primeira vez e as considere "muito à frente" (ah estes teenagers…)



We are the 801
We are the central shaft
And we are here to let you take advantage
Of our lack of craft
Certain streets have certain corners
Sooner or later we'll turn yours

We are the 801
We are the central shaft
And thus throughout two years we've crossed the ocean
In our little craft (row, row, row)
Now we're on the telephone
Making final arrangements (ding, ding)

We are the 801
We are the central shaft
Looking for a certain ratio
Someone must have left it underneath the carpet
Looking up and down the radio
Oh, oh, nothing there this time
Looking for a certain ratio
Someone said they saw it parking in a car lot
Looking up and down the radio
Oh, oh, nothing there this time
Going back down to the rodeo

Oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, here we go!

We are the table the captain's table let's get it understood
We are the losers we are the cruisers let's get it understood
We are the diners the final diners let's get it understood
Most of us are tinkers, some of us tailors
And we've got candlesticks and lots of cocktail sticks
We saw the lovers the modern lovers and they looked very good
They looked as if they could
We are the neighbors the nosy neighbors we think just like you would
We think just like you should.







20 outubro 2015







fábula  da  orla  do  mar






não consegui voltar a ver no teu rosto os contornos da orla do mar
e nos teus olhos deixou de haver aquele brilho de espuma na praia
algo fez naufragar em mim o sereno torpor da ondulação da tua pele
nas noites despertas no sono que pairava sob um oceano de estrelas
perdeu-se o rumo apenas adivinhado nas sonhadas cartas de marear
que outrora lia ou julgava ler no pergaminho da nudez do teu corpo
submerso e turvo o desejo de sempre aportar ao teu porto de abrigo
já nada me recorda em ti a caravela mágica em que tanto naveguei


… apenas o silêncio das conchas onde se ouvia a canção das ondas








19 outubro 2015








saunders terrell nasceu na georgia e cegou aos dezasseis anos. impossibilitado de trabalhar, aprendeu a tocar harmónica e, como sonny terry, veio a ser um dos maiores virtuosos do instrumento, num estilo sincopado muito próprio. 
tornou-se lendária a sua associação com walter brown mcghee, nascido no tennessee e vítima juvenil da poliomielite, que aprendeu a tocar numa guitarra caseira feita a partir de uma lata de biscoitos. era uma vez dois inválidos que tocavam azuis… o resto é história.



(este azul é aqui chamado "hootin' blues", mas também é conhecido por "whoopin' blues"; e este clip é todo um documento: num cenário idealizado para uma televisão de público maioritariamente branco - a casinha do cenário é um must - retrata-se com alguma veracidade o que poderia ter sido uma noite de música e dança algures no delta do mississippi)







18 outubro 2015







fui aos perdidos e achados
minha senhora disse-me o polícia
sua o caraças senhora talvez
aqui não recolhemos objectos dessa natureza
tão pouco material
juraria ter ouvido comercial
vá antes à câmara municipal
serviço de saneamento básico
resíduos esgotos sarjetas
em suma, escoamentos
coisa que como podeis ler
não fiz nem farei
se ele se perdeu, compreendi afinal, foi porque quis
nunca se deve contrariar um poema tão original








Bénédicte Houart







16 outubro 2015







No primeiro dia que saí contigo 
disseste que o teu trabalho era estranho. 
Mais nada. Todavia, eu sentia
a pele a rasgar-se como trapos 
de cada vez que me tocavas com a mão. 
E os teus olhos pareciam-me punhais
a fazer-me doer os meus. 
Daí para a frente foi sempre a mesma coisa: 
tu orgulhavas-te da tua arte,
mais subtil e directo em cada dia
e eu nunca percebia nada. 
Mas agora sei. 
Já conheço o teu ofício: 
Atirador de facas. 
A mais certeira atiraste-ma ao coração. 







Amalia Bautista







15 outubro 2015







eu sei que disse que a grande beleza reside em momentos mais-que-perfeitos onde não cabem as palavras, por estar a pensar na versão do kronos quartet para o magnífico tema de vladimir martynov incluído na banda sonora de "la grande bellezza" (a que retorno vezes sem conta…) e que por aqui já apareceu. mas ditas em russo pelas vozes do sirin ensemble, as bíblicas bem-aventuranças adquirem um encanto inigualável e são - mesmo - um pouco de céu na terra.



(mais curioso é ainda o facto de se conseguir copiar o texto bíblico do evangelho segundo são mateus (5, 3-12), colar no tradutor do google, seleccionar a língua russa e obter mesmo o texto cantado. e que começa com "blazhenny nishchiye dukhom"…)






13 outubro 2015






fábula  do  homem  que  tinha  encontrado  um  amor






falaram-me de um homem que tinha encontrado um amor.
disseram que não parecia contente, mas que a luz do sol o
atravessava como se fosse feito de vidro. o homem era para
alguns invisível e um fantasma para outros. não se calava e
falava com as plantas, ria-se para as flores e tinha sido visto 
a cantar com os pardais. também não se lhe conhecia outra
roupagem que não fossem poemas. saía à rua vestido com
versos e depois ficava sentado nos bancos dos jardins. todos
o queriam ler. e alguém me disse que vivia assim porque já
só escrevia, desde o dia em que tinha encontrado um amor.








12 outubro 2015






esta cover de um azul clássico (uma das pérolas de robert johnson) foi incluído no disco de estreia de otis spann, lançado, um pouco tardiamente, em 1960. a letra foi modificada e o ritmo também, num curioso jogo de cadências entre o piano de spann e a guitarra e voz de robert lockwood.



I've got ramblin', I've got ramblin' on my mind
I've got ramblin', I've got travellin’ on my mind

I still love you pretty baby, but you treats me so unkind

When i first met you baby, you treated me like a king
When i first met you pretty baby, you treated me just like a king
Yes we’ve been together so long until my little love don’t mean a thing

That’s why I've got ramblin', I've got travellin' on my mind
I've got ramblin', I've got ramblin' on my mind
Yes I still love you pretty baby, but you treats me so unkind

I believe, I believe I’ll go back home
I believe, I believe I’ll go back home
I just wanna tell the little girl who I’m in love with that she haven’t done me wrong

I hate to leave my baby, standin’ in the backdoor cryin’
I hate to leave my baby, standin’ in the backdoor cryin’
Yes she done me so lowdown lately, I got ramblin’ all on my mind







11 outubro 2015








“Ler para Borges era ouvir os comentários de Borges sobre aquela leitura. Quando lemos para nós escolhemos os livros, damos uma certa entoação ao texto, descobrimos coisas por nós, reflectimos sobre o que estamos a ler. Nada disto acontecia quando eu lia para Borges. Estava apenas a emprestar-lhe os meus olhos. A escolha do texto era dele, o tom era o dele e, sobretudo, os comentários eram dele. Não era um acto colaborativo – era simplesmente Borges. Ele dizia, “começa”, e eu lia duas linhas e ele mandava-me parar e fazia um comentário, mas o comentário, ainda que fosse dito alto, era para ele próprio, não para mim. Por isso tive esta estranha experiência de ser a testemunha da leitura privada de alguém – e não era qualquer um, mas um dos maiores leitores de todos os tempos. Isso foi um grande privilégio”.






Alberto Manguel






09 outubro 2015







as palavras fazem muitos estragos
partem coisas, quero dizer
se não as vemos despedaçadas
é defeito nosso, não delas
seja como for, é justo acrescentar
dão-se também cabo umas das outras
e ficam todas escavacadas
e seja palavras, seja coisas
tornam-se pó, tanto,
tal como nós, pouco







Bénédicte Houart