19 março 2014







Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí

nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me

depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem

que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.









Maria do Rosário Pedreira









6 comentários:

  1. Sempre que a leio aqui gosto muito!
    Não tenho nada dela, já percebi que tenho que comprar uns livrinhos :-))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. a.r., aconselho a "poesia reunida", da quetzal. está lá tudo. ;)

      Eliminar
  2. obrigado josé luís!
    bj e bom fds

    ResponderEliminar
  3. Como comentei algures atrás, saudades destas têm de ser muito pequeninas no tempo, senão começam a doer. Flutua-se um bocadinho na memória, mas depois cai-se novamente numa almofada qualquer do presente, num livro, num bolo, num post, whatever!
    Beijinhos e boa semana!

    ResponderEliminar

cartografe aqui: