30 dezembro 2022

 




leituras  de  dezembro





 


 


 


 


 


 




:: notas ::

 

le proustographe

nicolas ragonneau

ed. denoël

 

se sabias que: - marcel proust media mais 16 cm do que henri de toulouse-lautrec ; - a frase mais longa de ‘à la recherche…’ tem 931 palavras; - o prémio goncourt que proust ganhou em 1919 era de 5000 francos; - o adjectivo mais utilizado na sua obra é ‘grand’; - proust habitou 6 residências ao longo da vida; - ‘à la recherche...’ contém 99106 vírgulas; - proust nunca entrou no metro de paris; então... parabéns. és um proustógrafo/a completo e este livro vai ensinar-te pouco. caso contrário - e basta pensar apenas no infografismo nele presente, brilhante, original e completo - vais divertir-te com factos e números com os quais nem sonhavas.

 

 

que os teus cães mortos não te encontrem no paraíso

jim harrison

ed. cutelo

 

um bom cartão de visita à poesia de jim harrison, prolífico e versátil escritor americano desaparecido há meia dúzia de anos. há aqui poemas que tentam abarcar a sua produção poética, desde “plain song” (1965) até “dead man’s float” (2016). toda a sua poesia é um canto que celebra a natureza e os grandes espaços livres, e onde as emoções da condição humana estão justapostas à presença concreta de plantas e animais, numa relação interdependente de entendimento com todas as formas de vida. tenho algumas reservas quanto a certos detalhes na tradução de alguns poemas (que li no original), mas a sua riqueza é imune a esses pormenores.  

 

 

nostalgia

mircea cartarescu

ed. penguin

 

antes de me embrenhar em ‘ofuscante’, fui reler o conto-disfarçado-de-prólogo, sobre o tal jogador de roleta-russa. há uma analogia subtil com o jogador de xadrez que nos deu zweig, mas bastariam estas poucas dezenas de páginas para garantir a cartarescu um lugar no olimpo da moderna literatura europeia. 

 

 

irmãs de prometeu

joão paulo andré

ed. gradiva

 

deste autor já conhecia o curiosíssimo “poções e paixões”, em que os mundos da química e da ópera se intersectam. desta vez - e muito mais do que uma simples listagem dos nomes femininos que formaram e engrandeceram a história da química - este livro oferece uma narrativa cativante do desenvolvimento científico ao longo dos séculos, com uma tónica especial nas vidas, obras e conquistas dessas heroínas, que foram e souberam ser primeiro perfumistas, inventoras, alquimistas, feiticeiras, hermetistas, pioneiras, professoras, iluminadas, autoras - sem nunca deixarem de ser mães, esposas, inspiradoras, colegas e leitoras.

 

 

a history of water

edward wilson-lee

ed. william collins

 

um grande livro a terminar o ano. através das biografias de dois portugueses célebres (damião de góis e luís de camões) wilson-lee mostra-nos as duas grandes visões antagónicas que ocupavam e dividiam a europa do séc. xvi. ambos percorreram o mundo à sua maneira, e ambos puderam observar muitas e diversas etnias, culturas e religiões. porém o poeta, no seu famoso poema épico, opta por uma visão clássica da descoberta do desconhecido, nele espelhando todo o monolitismo europeu, ao passo que góis se confessa maravilhado pelas diferenças encontradas, celebrando nos seus escritos a multiplicidade com que os povos que conheceu encaravam os usos e costumes, a vida animal e a alimentação, o sexo e as crenças - e pagando o mais elevado preço por isso. quase meio milénio depois, constata-se que aquele antagonismo pouco ou nada evoluiu.

 

 

 

 




27 dezembro 2022

23 dezembro 2022

 


 

 

Anjo  da  expulsão

 

 

 


A chorar expulsou-me do paraíso.

Na tarde ferrugenta penteou os meus cabelos
cobriu-me com o seu manto

e pôs-me sandálias nos pés.
Pela mão levou-me às portas

do paraíso

e deu-me um longo abraço.

E no fim, de forma repentina

e com um brilho de fogo no olhar

aproximou-se do meu ouvido

e perguntou-me

quase me implorou que lhe dissesse

que sabor tinha

a maçã.

 

 

 


Ana Ilce Gómez

 






11 dezembro 2022


 


 

fábula  natalícia

 

 

 

 

 

os despertadores reuniram-se na madrugada anterior

e optaram pelo direito à greve. os mecânicos tentaram

ainda propor uma paralisação parcial, assegurando os

consagrados serviços mínimos, mas estavam em clara

minoria porque a maior parte das famílias adquirira

modelos eléctricos ou de quartzo. e assim, na noite

seguinte, foi esse mutismo generalizado dos relógios

o responsável por toda a gente ter ficado a dormir,

não estando desperta à meia-noite como mandava

a tradição, nesse instante final do dia vinte e quatro

de dezembro. graças a isso, no sonolento silêncio da

hora, nasceu o menino sozinho em palhas deitado,

confortado pelo bafo quente dos animais, esses sim

em vigília, e os seus pais só deram por ele de manhã,

acabrunhados pelo remorso. é o que dá não acordar

a horas quando se têm compromissos importantes.