30 novembro 2022

 





leituras  de  novembro





 


 


 


 


 


 




:: notas ::


haverá sempre um lento alfabeto de chuva

denis johnson

ed. cutelo

 

aplauso para a edição lusa de “the incognito lounge”, uma bela colecção de poemas onde as palavras parecem sempre cruas, vindas de um alfabeto sombrio mas irresistível. o autor quase recria poeticamente os contos de “jesus’ son”, em textos que nos falam de urgência, amor e fracasso (nem sempre por esta ordem, claro - isto é uma piada) e onde a luz e as sombras jogam um estranho jogo, talvez ameaçador, mas que nos é afinal familiar, quase confortável. e estes poemas, sem nunca serem cínicos, quase o parecem: qualquer um deles nos diz algo que sabíamos estar em nós, apenas não conseguíamos pô-lo em palavras.

 

 

the bookseller’s tale

martin latham

ed. particular books

 

ora aí está um daqueles livros que não quis ler de seguida, apesar de me sentir a ele preso. tecendo uma trama que mescla factos com lendas, verdades sérias com anedotas irónicas, memórias e projecções, o autor consegue dar vida a uma espécie de história dos livros enquanto mais do que folhas escritas, interligando escritores, livreiros, leitores, bibliotecas e coleccionadores. e muito mais do que um relato sobre a nossa incurável bibliofilia, é uma homenagem a este - sempre novo - velho objecto sem o qual não conseguimos viver.

 

 

marcel proust : une biographie

michel erman

ed. la table ronde

 

a dois dias do centenário da morte de proust, li esta pequena grande biografia. simples, despretensiosa, com um bom equilíbrio entre a vida e a obra - como deve ser aliás. muito assunto é apenas aflorado, mas no final não se sente que tenha ficado incompleta.

 

 

aves dormindo enquanto flutuam

masaoka shiki

ed. assírio & alvim

 

vencido pela tuberculose aos trinta e cinco anos, masaoka shiki deixou mais de vinte e três mil haiku. este livro oferece-nos um milhar deles. o último dos clássicos, como é por vezes referido, revolucionou a concepção dessa forma poética e aquilo a que hoje chamamos haiku muito lhe deve. com ele foram abandonadas algumas regras antigas mais rígidas e os temas diversificaram-se, reflectindo cada vez mais a actualidade e emoções reais. ninguém consegue responder a esta questão - que comprimento / tem a minha vida / nesta noite tão curta? - mas, em bom rigor, o que interessa é mesmo a pergunta.

 

 

septology

jon fosse

ed. fitzcarraldo

 

em ‘19, ’20 e ’21, jon fosse publicou “the other name”, “i is another” e “a new name”, que englobavam as sete partes agora reunidas num só volume, “septology”, mais de oitocentas páginas de puro deleite. este é seguramente um dos livros do novo milénio, na tradição de proust, joyce, beckett, musil e alguns outros mestres da palavra escrita. por que razão temos esta vida e não outra? e se houvesse um outro eu para quem a vida fosse diferente?... asle é um pintor norueguês, viúvo e envelhecido, a quem a memória vai falhando mas que se põe a relembrar episódios da sua vida. asle tem apenas três amigos: um vizinho agricultor, o galerista que expõe e lhe vende os quadros, e um outro asle, também pintor, alcoólico irremediável, um duplo que poderia (ou não) ser ele, duas versões da mesma vida (ou não), numa luta contra o tempo e a memória, perdidos nas inevitáveis dúvidas da condição humana sobre a vida e a morte, a luz e as trevas, deus e o amor. uma leitura hipnótica em que formalmente a narrativa em fluxo-de-consciência é reinventada de um modo original e encantatório.

 

 

ensaios - vol I

michel de montaigne

ed. e-primatur

 

outro enorme louvor a esta edição, a primeira integral dos ensaios de montaigne, ainda por cima com o bónus do texto original ter sido vertido para português são e escorreito (e não para o triste e vil acordês que por aí grassa) e a inclusão do célebre prefácio assinado por andré gide. vai ser seguramente o meu livro de cabeceira durante os próximos tempos. e, para quem apenas pretendia “registar alguns traços do meu carácter e dos meus humores”, este é um dos melhores retratos de sempre da condição humana, “um livro escrito em boa-fé”, luminoso e intemporal.

 







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