naqueles filmes a preto e branco
não me sentia criança, lutava como um grumete que era herói
naqueles filmes a preto e branco projectados em cinemas que
só existem numa memória. o navio havia recebido pelo menos
dois torpedos e o imediato aparecera na balaustrada da ponte
anunciando a ordem de abandono. um dos salva-vidas estava
destruído e no outro jamais caberíamos todos. e já no convés
perigosamente inclinado alguém lembrara a prancha pousada
na proa. tínhamos conseguido lá chegar, por entre as rajadas
de balas com que os aviões nos brindavam, mesmo a tempo
de a empurrar borda fora e saltar. alguns não sabiam nadar,
ficávamos impotentes a vê-los perdidos no mar escuro e frio.
em seguida tentávamos aguentar-nos sobre aquela jangada, e
foi então que uma onda me derrubou. vi-me cercado por um
monstro líquido, debati-me, tentei lutar. mas era impossível,
faltavam as forças e começava a afogar-me. só depois ouvia a
voz da minha mãe a dizer-me para não beber a água do banho,
que ainda ficaria mal da barriga. e no ecrã surgia a palavra fim.
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