22 julho 2022

 


 

 

naqueles  filmes  a  preto  e  branco

 

 

 

 

 

não me sentia criança, lutava como um grumete que era herói

naqueles filmes a preto e branco projectados em cinemas que

só existem numa memória. o navio havia recebido pelo menos

dois torpedos e o imediato aparecera na balaustrada da ponte

anunciando a ordem de abandono. um dos salva-vidas estava

destruído e no outro jamais caberíamos todos. e já no convés

perigosamente inclinado alguém lembrara a prancha pousada

na proa. tínhamos conseguido lá chegar, por entre as rajadas

de balas com que os aviões nos brindavam, mesmo a tempo

de a empurrar borda fora e saltar. alguns não sabiam nadar,

ficávamos impotentes a vê-los perdidos no mar escuro e frio.

em seguida tentávamos aguentar-nos sobre aquela jangada, e

foi então que uma onda me derrubou. vi-me cercado por um

monstro líquido, debati-me, tentei lutar. mas era impossível,

faltavam as forças e começava a afogar-me. só depois ouvia a 

voz da minha mãe a dizer-me para não beber a água do banho,

que ainda ficaria mal da barriga. e no ecrã surgia a palavra fim. 

 

 

 

 

 



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