30 julho 2022

 





leituras  de  julho






 


 


 


 


 






:: notas ::


a world beneath the sands

toby wilkinson

ed. w. w. norton 


relato fascinante da era dourada da egiptologia, balizada pela decifração dos hieroglifos em 1822 por jean-françois champollion e a espectacular e inesperada descoberta do túmulo de tutankhamon por howard carter exactamente um século depois. mas o desvendar de um mundo que o decurso de 3 ou 4 milénios tinha soterrado sob as areias móveis dos desertos que guardam o vale do nilo foi muito mais coisas: uma corrida entre franceses, ingleses, alemães e mais tarde americanos pela fama e riqueza, as aventuras sem fim de uma série de homens e mulheres que passaram anos a estudar e escavar, os inúmeros episódios entre caçadores de tesouros e arqueólogos, e também a génese de um sentimento nacionalista e o nascimento de uma nação independente. para os, como eu, apaixonados pela história e arte egípcia antigas este livro é um must absoluto.



o triunfo do ovo

sherwood anderson

ed. cutelo


no seu discurso de aceitação do nobel em 1949 william faulkner terá afirmado "somos todos filhos de sherwood anderson", numa alusão aos autores que retrataram literariamente uma certa américa, sulista e introvertida, cheia de dramas e contradições. muitos referem os nomes de hemingway, dos passos e wolfe mas, para mim, não esquecendo as vozes femininas de o'connor, welty e mccullers, o que melhor lhe seguiu as pisadas terá sido mesmo o meu querido e actualmente esquecido erskine caldwell. este é um livro de contos invulgar, alguns são como poemas em prosa, noutros apenas se confessa a vontade de que a narrativa pudesse ser um conto. e contam-se histórias de homens e mulheres à margem, desenraizados mas profundamente ligados à terra, absurdos e contudo concretos, todos à procura de algo dentro de si, muitos sabendo que não o irão conseguir mas continuando sempre a tentar... já não se escreve assim - e é pena.



the tale of genji

murasaki shikibu

ed. w. w. norton

 

li uma versão abreviada há muitos anos, porém sempre disse que um dia haveria de ler as histórias de genji na sua totalidade - e assim aqui está o meu próximo livro de cabeceira que, não sendo o da sei shonagon mas tendo 1300 páginas, vai levar bastante tempo a ler... provavelmente escrito entre os anos 1000 e 1015, é uma recolha de histórias sobre um príncipe lendário, genji, embora os protagonistas sejam os personagens da corte heian, na quioto desse tempo, entretidos nas suas aventuras amorosas, repletas de refinada sensualidade, e nas inevitáveis intrigas, narradas entre a sátira e a comédia. não se sabe quem foi a autora, decerto dama de companhia de uma princesa. o nome é claramente um pseudónimo (murasaki é a flor púrpura da wisteria, shikibu refere-se ao cargo do seu pai no departamento cerimonial) e alguns sugerem que seria takako fujiwara. a verdade é que se trata de um dos primeiros romances escritos, um marco real na história da literatura. jorge luis borges dizia que este livro talvez não fosse melhor ou mais intenso que o quixote de cervantes, mas que era mais complexo e a civilização ali revelada mais delicada.


 

tutankhamun's trumpet

toby wilkinson

ed. picador

 

a ideia não é original - caracterizar uma era histórica ou artística através da descrição de alguns objectos representativos - mas toby wilkinson desenvolve-a com maestria, no seu novíssimo livro que, de certa maneira, parte do final do magnífico "a world beneath the sands", com a descoberta do túmulo de tutankhamon. e seleccionando 100 objectos (dos mais de 5000 que as câmaras subterrâneas esconderam durante mais de três milénios), entre os quais a icónica máscara em ouro, o trono, as arcas, os amuletos e uma estranha trombeta, consegue o autor dar-nos uma visão tão abrangente e detalhada que a narrativa acaba por funcionar muito mais como uma história do egipto antigo e não o relato da vida e morte de um faraó através da mera enumeração de algumas peças do seu tesouro funerário. o capítulo final, sobre o legado civilizacional, é de leitura obrigatória para qualquer egiptófilo de sofá como eu.








27 julho 2022

 



 

O  último  poema 

 



 

Sonhei tanto contigo,

Andei tanto, falei tanto,

Amei tanto a tua sombra,

Que já não me resta nada de ti.

Resta-me ser a sombra por entre as sombras

Ser cem vezes mais sombra do que a sombra

Ser a sombra que virá e voltará à tua vida ensolarada.

 

 




Robert Desnos

 

 






25 julho 2022

 




nunca conseguirei deixar de gostar desta canção dos everything but the girl, 
uma das poucas não cantada por tracey thorn.
a voz de ben watt é o contraponto ideal ao piano e a letra contém essa pequena ideia feliz, 
a de uma noite se ter ouvido caruso cantar e ele ser quase tão bom quanto elvis...











22 julho 2022

 


 

 

naqueles  filmes  a  preto  e  branco

 

 

 

 

 

não me sentia criança, lutava como um grumete que era herói

naqueles filmes a preto e branco projectados em cinemas que

só existem numa memória. o navio havia recebido pelo menos

dois torpedos e o imediato aparecera na balaustrada da ponte

anunciando a ordem de abandono. um dos salva-vidas estava

destruído e no outro jamais caberíamos todos. e já no convés

perigosamente inclinado alguém lembrara a prancha pousada

na proa. tínhamos conseguido lá chegar, por entre as rajadas

de balas com que os aviões nos brindavam, mesmo a tempo

de a empurrar borda fora e saltar. alguns não sabiam nadar,

ficávamos impotentes a vê-los perdidos no mar escuro e frio.

em seguida tentávamos aguentar-nos sobre aquela jangada, e

foi então que uma onda me derrubou. vi-me cercado por um

monstro líquido, debati-me, tentei lutar. mas era impossível,

faltavam as forças e começava a afogar-me. só depois ouvia a 

voz da minha mãe a dizer-me para não beber a água do banho,

que ainda ficaria mal da barriga. e no ecrã surgia a palavra fim. 

 

 

 

 

 



19 julho 2022



 



o começo de um livro é precioso,
dizia a llansol,
mas o final também não lhe fica atrás














17 julho 2022

 




 

Se agora batesses à minha porta

e tirasses os óculos

e eu tirasse os meus que são iguais

e depois entrasses na minha boca

sem temer beijos desiguais

e me dissesses: "Meu amor,

que aconteceu?", seria uma peça de teatro de sucesso.

 

 

 



Patrizia Cavalli

 

 

 





07 julho 2022

 



 

Vim  a  Paris  para  te  esquecer

 

 

 

 

Vim a Paris para te esquecer

mas tu obstinado impregnas todos os espaços.

És a quimera medonha dos beirais de Notre-Dame,

és o anjo que invencível sorri.


Façamos um pacto (o aldeão e o diabo):
deixa-me a manhã para ver, ler,

perder tempo, me divertir, te excluir.

Noites e sonhos, de acordo, são teus. 

 

 

 



Maria Luisa Spaziani