30 março 2022






leituras  de  março






 


 


 


 


 


 





:: notas ::



grief is the thing with feathers

max porter

ed. faber & faber

 

brilhante fábula sobre o sofrimento inerente ao luto. a resistência de um pai e dois filhos pequenos a lidar com a perda súbita da mãe é corporizada num corvo, que entra e se instala na casa. é negro e sombrio como a mágoa permanente que julgamos inultrapassável, mas ele veio para ajudar ("ficarei até que não precisem mais de mim"). e num texto genial, que se desenrola como uma peça teatral ou um longo poema em prosa, os meninos, o pai e o corvo aprendem a conviver e, por fim, a sublimar a dor. este texto disse-me imenso porque há uma dúzia de anos também passei por isso, quando perdi a mãe dos meus filhos. porém, o meu corvo - nesses momentos todos temos direito a um - foi antes algo líquido dentro de um grande tanque azul, a piscina onde o luto se foi por fim afogando.

 


 

14 poetas portuguesas escolhem inês

inês lourenço

ed. da lado esquerdo

 

saúda-se a edição desta bela recolha de poemas de inês lourenço (permanece uma das vozes mais sólidas da nossa poesia), escolhidos pela mão de 14 poetas portuguesas. o que eu mais gosto na sua poesia é a facilidade desarmante com que as palavras me evocam imagens e, talvez por isso, prefiro os textos que espelham o quotidiano de um modo vagamente irónico - por vezes até algo sarcástico - mas sempre elegante, numa escrita sóbria feita de palavras certeiras. alguns destes poemas (rua de camões, roteiro para um paraíso privado, carta de agosto, pequena voltagem, quebra-luz, verbi gratia, consoantes átonas e escrita criativa, por exemplo) são do melhor que a poesia portuguesa actual nos deu. ficou porém excluído um dos meus preferidos, da epistolografia, que à laia de vingança - servida fria como aquela célebre dobrada - segue em comentário.


 

 

ulysses

james joyce

ed. alma books

 

li o "ulisses" na velha edição da difel ainda nos anos oitenta. mas tive de espreitar esta edição, revista e anotada, para comemorar o centenário da publicação original, surgida em paris pela chancela da livraria shakespeare & co.. o prefácio de sam slote só tem o defeito de ser curto e, para quem gosta de questionar o paralelismo entre a odisseia de homero e o livro de joyce, lembro que o ulisses clássico cruza mares e aventuras para regressar a casa, onde uma esposa fidelíssima o aguarda. já leopold bloom, o ulisses de 16 de junho de 1904, é obrigado a percorrer em dublin a epopeia de uma errância voluntária e forçada, esperando o decurso das horas nesse dia infinito para voltar a casa o mais tarde possível, precisamente por saber que molly, a sua penélope, o está a trair. o que me leva sempre a uma velha interrogação, se cada um tem ou não a ítaca que merece.

 

 

 

madhouse at the end of the world

julian sancton

ed. penguin

 

bem (d)escrito e documentado, este é o relato empolgante da aventura trágico-marítima do "belgica", o navio protagonista da primeira grande exploração à antártida, e que ficou preso no gelo no inverno de 1898, apenas conseguindo libertar-se um ano depois. o drama dos problemas psíquicos de uma tripulação confinada durante uma noite que durou meses (um manicómio no fim do mundo), agravado pelo aparecimento do escorbuto, só foi superado graças à tenacidade de alguns - com destaque para o médico frederick cook e um tripulante norueguês chamado roald amundsen, precisamente o homem que alguns anos mais tarde seria o primeiro a atingir o pólo sul.

 

 






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