começar um poema com uma frase célebre
gostava de começar um poema com uma frase célebre, como a
que abre jane eyre, não havia possibilidade de dar um passeio
naquele dia, ou talvez a irónica e invertida primeira de orgulho
e preconceito, de ser uma verdade universalmente reconhecida
que um homem solteiro e possuidor de uma fortuna precisa de
uma esposa. é preferível que essa frase seja curta, como durante
muito tempo fui para a cama cedo, que introduz a proustiana
recherche e convém igualmente que seja uma linha imprecisa e
vaga, porque algo como a casa que os maias vieram habitar em
lisboa, no outono de mil oitocentos e setenta e cinco, se revela
demasiado concreto para induzir um frémito poético no leitor.
também não se poderão empregar palavras que a poesia soube
eleger previamente, assinalar armas e barões traria consigo a vil
marca do plágio. expressões felizes mais recomendadas incluem
a interrogação de cortázar, se encontraria a maga, na abertura
de rayuela, o entardecer invulgarmente quente que antecipa o
crime e castigo de raskolnikov, a definição de universo, a que
outros chamam a biblioteca, segundo borges e o suspiro triste
exalado pelo senhor shandy ao recordar os seus progenitores.
e, claro está, desaconselhável e virtualmente inexequível seria
iniciar um tal poema com aquela frase final do ulisses de joyce.
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