28 setembro 2020
25 setembro 2020
(in memoriam :: juliette gréco)
fábula de um amor impossível
[ sobe o pano. é abril em saint-germain-des-prés, na paris de 1949 ]
e não voltei a ver. ele tocava e eu observava-o de
perfil: um deus egípcio. foi michèle, a mulher de
boris vian, quem mo apresentou e eu fiquei logo
fascinada. ele tinha essa beleza e irradiava génio.
era força e estranheza ao mesmo tempo. era a
diferença e a modernidade do que ele tocava.
eu tinha vinte anos e entendia aquela liberdade.
tudo era partilhado porque não tínhamos meios,
mas estávamos apaixonados. penso que ele ficou
algo surpreendido por isso, pela minha liberdade
e pela minha ausência de opinião e perspectiva
sobre a questão racial. depois, não sei, talvez a
música fosse nele mais forte que tudo. eu não
podia competir com um trompete e ele partiu.
romeu:
a música tinha sido toda a minha vida e não tinha
olhos nem tempo nem espaço para mais nada, até
ao meu encontro com ela. ela trouxe-me isso, o que
era gostar de algo que não a música. foi a primeira
mulher que amei como um ser humano, num plano
de liberdade e igualdade. ela era tão bela, tão só ela.
e, claro, eu não falava francês, ela não falava inglês:
comunicávamos por expressões, numa linguagem
corporal. depois, já só falávamos com os olhos e os
dedos, não havia lugar para o falso. durou algumas
semanas, e então senti que ia ser como um daqueles
amores trágicos, eu só podia estar preso à música e
fui-me embora. mais tarde, uma vez jean-paul sartre
perguntou-me por que não nos tínhamos casado.
respondi-lhe que não queria que ela fosse infeliz.
[ cai o pano sobre juliette gréco e miles davis ]