10 junho 2020






Deus  rebelde




Se eu fosse Deus, chamaria os anjos uma noite
para libertar o sol redondo na fornalha da escuridão,
zangado ordenaria aos servos do jardim do mundo
que podassem do ramo da noite a folha amarela da lua.

À meia-noite entre as cortinas do meu divino palácio
iria revirar o mundo nos meus dedos furiosos
e com as mãos, cansadas da imobilidade milenar,
enfiaria as montanhas nas bocas abertas dos mares.

Desamarraria os pés de mil estrelas febris,
espalharia o sangue do fogo pelas veias mudas das florestas,
rasgaria as cortinas de fumo para que no rugido do vento
a filha do fogo se pudesse lançar ébria nos braços da floresta.

E sopraria a flauta mágica da noite
até que os rios se erguessem dos leitos como serpentes sedentas
e exaustos por uma vida a deslizar sobre um peito sem alento
se derramassem no escuro pântano do céu nocturno.

Docemente invocaria os ventos para soltar
os barcos de perfume de flores nos rios da noite.
Abriria os túmulos para que inúmeras almas errantes
pudessem uma vez mais procurar a vida no limite dos corpos.

Se eu fosse Deus, chamaria os anjos uma noite
para ferver a água da vida eterna no caldeirão do inferno,
e com uma tocha ardente expulsaria o rebanho virtuoso
que pasta nos prados verdejantes de um céu impuro.

Farta de ser puritana, buscaria a cama de Satanás à meia-noite
e encontraria refúgio na descida à infracção das leis.
Alegremente trocaria a dourada coroa da divindade
pelo abraço sombrio e dorido de um pecado.




Forough Farrokhzad 





(tradução minha)

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