fábula para manuel resende
desculpa, não fui capaz de rasgar aquele poema
depois de o ler. jamais poderia suportar a ideia
de espalhar esses fragmentos pelo vasto mundo,
esperar pelas intempéries ou os homens do lixo
ou sei lá o quê mais que acabasse com ele de vez.
depois de o ler. jamais poderia suportar a ideia
de espalhar esses fragmentos pelo vasto mundo,
esperar pelas intempéries ou os homens do lixo
ou sei lá o quê mais que acabasse com ele de vez.
é que também sinto uma dor no peito pelo peso
dos anos, não me abandona a imagem daquele
zarolho a salvar das águas um livro, quando se
alongava a peregrinação cansada sua, a idade
se gastava e crescia o dano. é que também ele,
náufrago na sua poesia, deitou tantas palavras
sobre o mundo a ver se o mundo se arrependia.
dos anos, não me abandona a imagem daquele
zarolho a salvar das águas um livro, quando se
alongava a peregrinação cansada sua, a idade
se gastava e crescia o dano. é que também ele,
náufrago na sua poesia, deitou tantas palavras
sobre o mundo a ver se o mundo se arrependia.
é que aqueles versos compareceram em peso,
alvos impolutos ferindo a língua na aresta das
páginas, autênticos acrobatas erectos salvando-
-se a nado do dilúvio gramatical. é que eu gosto
das palavras e do canto, talvez tanto como tu,
e prefiro sentar-me algum tempo junto a mim
ouvindo esse grito irresoluto, lendo o manual
de instruções onde o poeta é subitamente um
animal que tem uma imensa boca, aberta em
cada poro do seu corpo, para matar a fome das
palavras, pois a fome é o pão mais duro de roer.
alvos impolutos ferindo a língua na aresta das
páginas, autênticos acrobatas erectos salvando-
-se a nado do dilúvio gramatical. é que eu gosto
das palavras e do canto, talvez tanto como tu,
e prefiro sentar-me algum tempo junto a mim
ouvindo esse grito irresoluto, lendo o manual
de instruções onde o poeta é subitamente um
animal que tem uma imensa boca, aberta em
cada poro do seu corpo, para matar a fome das
palavras, pois a fome é o pão mais duro de roer.