23 agosto 2019






Contra  a  interpretação




Foi por causa do soneto treze de Shakespeare
que Victoria Ocampo não quis ter filhos. Ao descobrir,
algures entre o quarto e o sétimo verso, que poderia
dar consigo nos braços de quem deixara
de conhecer, como se o amor nascesse
de alguma semelhança de si com outrem, preferiu
não se entregar a ninguém. Corrijo, porém: o poema
tem rimas que compensam a falta de amor; e a alguns
se entregou, na sua vida, de quem podemos
felicitá-la por não os ter ajudado a ficar com
descendência; outros, por essa ou outra razão,
deixaram-na para ir fazer filhos, a gosto ou contragosto,
noutras bandas, e noutros braços. Em conclusão: se
lerem o soneto treze, de Shakespeare, não
liguem à lição; e, se puderem, leiam antes
uma tradução, onde tudo pode sair ao contrário,
e até um recém-nascido do fundo do ovário.





Nuno Júdice






2 comentários:

  1. Não conhecia.

    Tem qualquer coisa de engraçado, também ;)

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    Respostas
    1. apareceu recentemente na "gazeta de poesia inédita". também lhe achei piada :)

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