29 dezembro 2018






Cicatriz



A cicatriz das tuas derrotas
é o tapete que te leva
ao prado onde floresce
o jacinto azul





José Tolentino Mendonça




25 dezembro 2018






no ano passado consegui listar todos os livros lidos. 
este ano não o fiz mas registei as leituras no goodreads.
em resumo, o balanço final aponta para 44 ocorrências,
onde noto 15 de poesia e 9 de japoneses, no seguimento
de um propósito anterior. vontades para o ano que vem?
se possível: ler pelo menos 50 livros, aumentar a quota 
de poesia e dedicar-me aos contistas norte-americanos.







entretanto, disponível logo em janeiro, estará a nervo /4
contém belíssima poesia, apesar da minha participação







21 dezembro 2018






Há um lugar confuso: desvia-te três passos
e a serenidade respira calmamente.

Não é fácil entender só com o entendimento:
a decisão dos pássaros que voam para poente
a decisão dos pássaros que voam para nascente.

Sais de ti: o que é que entra?

Já não é costume obedecer às ordens
imortais. Mas se nada escutas
por que estás atento? E se nada encontras
como hás-de procurar?





Carlos Poças Falcão





17 dezembro 2018






Tinhas as bocas cosidas num sopro

Tinhas nas coxas,
no correr inflamado das ondas, a quebra
maleficente das ostras

Tinhas por dentes
linho, pérolas e fímbria
Por todo o corpo pintavam-te de Índia -

(o pano, dobrado,
unia ponta com ponta,
seios com sexo e boca)

Tinhas as duas bocas
abertas juntas na minha
opus nocturna




Andreia C. Faria





15 dezembro 2018





aqui (há mais de cinco anos) 
falei deste azul de jimmy reed.
mas esta cover dos mercury rev
com a voz da menina sandoval 
definitivamente é qualquer coisa












09 dezembro 2018





para  quem  quer  conciliar  religião  e  ciência  




quando eva passou a maçã a adão, este rodou-a,
elegendo uma porção esférica com casca ainda
intacta, para a trincar também. gostou daquele
contraste entre a textura adocicada e uma certa
acidez do sumo. mas logo no momento seguinte
pensou naquilo que acabara de fazer e sentiu um 
calafrio percorrer-lhe o corpo. e esse tremor deu
lugar a um desconforto envergonhado: ganhara
consciência do seu acto, cometera uma traição
e iriam ser os dois expulsos do paraíso celeste.
os seus dedos ficaram subitamente dormentes,
olhou para a mão e, num gesto de repugnância,
deixou cair o proibido fruto que afinal permitira.


numa trajectória vertical de aceleração numérica
igual a nove vírgula oito metros por segundo ao
quadrado, essa maçã exibindo duas dentadas foi
cair na cabeça de um senhor de apelido newton.





( lê-se melhor aqui )

07 dezembro 2018





[e.f.e.m.é.r.i.d.e]




festeja hoje sessenta e nove risonhas translações solares
o senhor waits. que contes muitas, thomas alan, de
preferência sempre no lado errado da estrada.










06 dezembro 2018





falta-lhe a nossa luz e a calçada tem outras cores.
mas é igualmente banhada por um rio e, quando o
dia é de sol, por vezes até parece que se assemelha...





[a room with a view]





02 dezembro 2018






Todos falam
do que encontraram no caminho.
Alguns falam também
do que não encontraram.
E uns tantos referem-se
ao que não é possível encontrar.


Mas há quem fale de um encontro
que surge de uma emboscada entre as mãos
como uma andorinha que nunca foi parte
de nenhum bando,
como um gesto secreto que recolha
a compaixão que falta nos encontros.


Todo o encontro nasce
como a água perante a sede.
O resto é uma miragem
que não chega sequer
a desconcertar o deserto.




Roberto Juarroz