Considerações
1.
Só poetas muito
pobres
falarão da
riqueza destas casas.
As casas que
limpo habitam o nadir
da hierarquia
poética das casas
Mas com elas se
paga o preço da arte.
Imprestável e
luxuosa, dizem
Vital, penso,
enquanto limpo casas.
2.
São-me muito
próximas, estas casas vazias
Não há comunhão
com uma casa até assoar cotão
Sentindo a casa
sair de mim
Quando me mudei
para a minha casa
Também a limpei
dos pés ao tecto
E por isso me
foi habitando nariz e poros.
No fim do dia
enquanto a casa escorria
pelo branco da
banheira, pensei:
o habitante é o
meio pelo qual uma casa regressa a si.
3.
Se passares um
dia a limpar uma casa
Ficarás muito
limpo por dentro e
Muito sujo por
fora.
4.
Teorema:
Quanto mais
suja está uma casa, mais limpa está a sua esfregona.
5.
Não é vergonha
que o poeta tenha que limpar casas.
Vergonha seria
não escrever sobre elas.
6.
Há casas tão
sujas que pedem black metal por banda
sonora.
7.
Estas casas
nunca se ocupam por muito tempo.
São
prostitutas, não são casas para casar.
Entre um e
outro ocupante
tenho que
apagar as marcas dos corpos
Descobri uma
esponja mágica
Que limpa
dedadas da parede.
Custa o preço
de duas cervejas
A terceira
bebo-a ao fim do dia.
8.
Limpar-me com
cerveja.
9.
Por vezes os
lençóis são abandonados
ainda deitados
nas camas.
São um arrepio
estes lençóis.
Sair para
comprar tabaco e não voltar.
10.
Uma casa não
pode ser só bela
Tem que ter
qualquer coisa de triste,
Qualquer coisa
que chora
Qualquer coisa
que sente saudade
Teria escrito
Vinicius de Moraes
Se fosse um
poeta tão pobre quanto eu.
11.
Trapos são os
velhos.
As minhas t-shirts mais amadas terminam a vida
a esfregar
paredes.
12.
Abandonam-se
nas casas coisas sem préstimo
Móveis que não
valem o seu peso às costas,
Canetas de
apelo político que nunca escreveram senão listas de compras
(o poeta usará
estas canetas para escrever sobre casas).
13.
Por vezes,
nestas casas, também encontro fotografia.
Evidência:
Algumas
fotografias pesam tanto nas costas como móveis.
14.
Com uma casa,
pago a água ou
a luz
da minha casa.
15.
Nalgumas casas
cortaram água e luz.
há que trocar
horas de sol por horas na casa
há que levar a
água nas mãos
(neste caso o
poeta é também aguadeiro,
Direi rio,
escada acima, rio Nilo).
16.
Por não ter
medo de mexer nas zonas que outros evitam
O poeta é
campeão a lavar sanitas.
17.
Limpar casas é
o preço de coisas muito caras,
como a arte.
Ana Tecedeiro
Por não ter medo de mexer nas zonas que outros evitam
ResponderEliminarO poeta é campeão a lavar sanitas.
adorei tudo. este em especial :)
{o que mais gosto é o teorema da consideração 4. ...cuja demonstração creio estar na anterior}
ResponderEliminar;)
eu voto no 6.
ResponderEliminar