maio de 68
um belo dia
em maio
de sessenta
e oito, tempo
feito de
equívocos,
em alfama,
as vizinhas conversavam.
a roupa
secava ao sol.
os filhos
estavam na escola.
elas
falavam dos maridos.
e
comentavam luísa, a
apanhadora
de malhas em meias,
com o marido
fora há dez anos,
sem dar
notícias. tinha havido
desordens
entre quatro
homens
daquele bairro, por causa
de luísa,
que os
ignorou e
continuava a
cuidar do
filho e a
apanhar
malhas, sossegadamente,
na janela
do rés-do-chão,
inclinando
a cabeça como
a
rendilheira de vermeer.
estavam as
vizinhas
nisto,
deplorando
o
desperdício da
juventude
de luísa,
por absurda
esperança e
por
delicadeza
assim
perdendo a vida, quando
se
aproximou um estranho.
deitam-se a
adivinhar.
aquele bem
podia ser fernando,
marido de
luísa
e
alvoroçaram-se e um cão ladrou.
no beco,
entre
os potes de
sardinheiras
e a roupa
ainda a secar,
estavam
enganadas, mas
tinham
razão num ponto:
era um
marinheiro grego,
exausto,
ainda a ofegar,
depois de
uma cena de porrada
das
antigas, que não tinha
nada a ver
com luísa,
mas que se
chamava odisseus.
Vasco Graça Moura
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