15 maio 2015






anacronia sentimental





prometes que vens
hás-de chegar de noite, quando as corujas despertam
e os pirilampos piscam luzeiros fugidios,
e hás-de subir o grande muro com a força dos teus braços
os pés em esforço nos esconsos das pedras

prometes que vens
esperarás com paciência a distracção sonolenta
do cão e, sem ruído, saltarás com a leveza
de um gato e tocarás o chão com a delicadeza de mil pétalas
só o meu coração estremecerá

prometes que vens
que, sim, hás-de subir o caminho de heras que serpenteia
até à minha janela, guardarás na roupa todas
as flores que colheres pelo caminho e junta-las-ás
em ramos perfumados para me dar

prometes que vens
que desaguarás em mim como um rio a galgar as margens,
uma torrente de água que me fará perder o pé e
me arrastará para abismos de onde não quererei sair,
novos atlantes habitando a superfície fofa do meu embalo

prometes que vens
e eu digo que, sim, hei-de esperar-te no fim de todas as heras
abrindo os braços aos ramos que trarás, pronta a deixar-me
prender com os limos do teu corpo, silenciando o cão que
dentro de mim rosna que seria suficiente que tocasses à campainha

caso realmente quisesses vir.









Carla  Pinto Coelho







4 comentários:

  1. Já conhecia este poema de Carla,de que gosto muito.
    E reafirmo o que disse na altura.
    Na medida do possível, é preciso estar atento e avaliar bem a parte final As esperas não devem ser incondicionais. A promessa repetida algumas vezes sem qualquer vislumbre de concretização é para chutar para o lado. Pela dignidade..

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  2. Mais um poema e ganhas o direito a um frasco de doce à tua escolha. ((((:

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