A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma
espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está
um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida,
não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas, nos animais e
nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim
do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré
da vida. Cada lágrima que me escorre por vezes pela cara ao adormecer, cada
aperto de angústia na garganta que sinto quando acordo de manhã e me lembro de
que tenho cancro, cada assomo de tristeza que me obriga a sentar-me por vezes à
beira do caminho quando vou passear com os cães e interrompe a oração ou a
conversa com o céu que me embalava o espírito, cada um destes sinais provém do
falhanço momentâneo do amor dos outros em amparar-me, e sobretudo do meu em
permitir-lhes que me acompanhem. Quando, pelo contrário, decorre um dia em que
consigo escrever e gosto daquilo que escrevo, em que me curvo sobre os canteiros
para cortar ervas daninhas, em que admiro amorosamente a energia da Patrícia
sentada ao computador ou a trazer lenha para casa, quando isto sucede, o meu
tempo já não é o Tempo Comum mas antes um longo domingo de Páscoa: sinto a
presença amorosa de todos os que precisam de mim e d’Aquele de quem eu preciso.
Paulo Varela Gomes
[ um trecho do magnífico testemunho "Morrer é mais difícil do que parece", incluído na Granta nº5 ]
ResponderEliminaroh, josé luís, não removas nada :)
ResponderEliminarnão removi, só acrescentei. um texto brutal.
Eliminar:)
ResponderEliminar(sinto-me pobre, diante disto, mas sei que é d'isto que dá força)
fantástico. obrigada :)
ResponderEliminar;)
EliminarDe facto, é um texto brutal, josé luís. Muito bom trazê-lo aqui.
ResponderEliminarÉ mesmo muito importante também lermos, sentirmos, o que é realmente difícil e como somos pequenos e, alguns, ao mesmo tempo, conseguem ser gigantes.
infelizmente alguns desaparecem :(
Eliminar