13 maio 2015







A vida é muito menos cheia de prosápia do que a morte. É uma espécie de maré pacífica, um grande e largo rio. Na vida é sempre manhã e está um tempo esplêndido. Ao contrário da morte, o amor, que é o outro nome da vida, não me deixa morrer às primeiras: obriga-me a pensar nas pessoas, nos animais e nas plantas de quem gosto e que vou abandonar. Quando a vida manda mais em mim do que a morte, amo os que me amam, e cresce de repente no meu coração a maré da vida. Cada lágrima que me escorre por vezes pela cara ao adormecer, cada aperto de angústia na garganta que sinto quando acordo de manhã e me lembro de que tenho cancro, cada assomo de tristeza que me obriga a sentar-me por vezes à beira do caminho quando vou passear com os cães e interrompe a oração ou a conversa com o céu que me embalava o espírito, cada um destes sinais provém do falhanço momentâneo do amor dos outros em amparar-me, e sobretudo do meu em permitir-lhes que me acompanhem. Quando, pelo contrário, decorre um dia em que consigo escrever e gosto daquilo que escrevo, em que me curvo sobre os canteiros para cortar ervas daninhas, em que admiro amorosamente a energia da Patrícia sentada ao computador ou a trazer lenha para casa, quando isto sucede, o meu tempo já não é o Tempo Comum mas antes um longo domingo de Páscoa: sinto a presença amorosa de todos os que precisam de mim e d’Aquele de quem eu preciso.





Paulo Varela Gomes 






8 comentários:

  1. [ um trecho do magnífico testemunho "Morrer é mais difícil do que parece", incluído na Granta nº5 ]

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  2. oh, josé luís, não removas nada :)

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    1. não removi, só acrescentei. um texto brutal.

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  3. :)

    (sinto-me pobre, diante disto, mas sei que é d'isto que dá força)

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  4. fantástico. obrigada :)

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  5. De facto, é um texto brutal, josé luís. Muito bom trazê-lo aqui.
    É mesmo muito importante também lermos, sentirmos, o que é realmente difícil e como somos pequenos e, alguns, ao mesmo tempo, conseguem ser gigantes.

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