11 janeiro 2015






Sonho com uma casa claustrofóbica,
um emprego anónimo e mecânico
numa terra sem presente nem futuro;
sonho ser impotente e já desonerado
de qualquer prova da minha existência;
sonho-me em silêncio, quase pétreo,
e sem ninguém que me trate por tu;
sonho-me a viver apenas para o relógio,
pontualíssimo a abrir e fechar portas
e persianas e caixas e olhos;
sonho-me remediado de dinheiro, à justa,
cozendo uma cavala, descascando uma maçã,
sem que a maçã seja mais que uma maçã;
sonho-me a apagar a luz atrás de mim,
tacteando no escuro uma parede escura,
sem memória de qualquer outra parede,
sonho-me a adormecer em Maio e acordar em Setembro
para escapar à agressão do sol;
sonho-me a beber apenas água
e a tomar comprimidos para os rins
e a urinar dolorosamente pouco;
e sonho mais: sonho que nunca te vi.







Miguel Martins






3 comentários:

  1. Como distinguir ficção da realidade?

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  2. Parece-me existir aqui demasiada inércia, vontade de desistir, muito cansaço, uma quase morte...

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