são as minhas mãos que tremem até não poder segurar os
talheres
sou eu sentado na cama, transido de medo de acordar para
viver
sou eu a vomitar de medo como desde os tempos da escola
primária
sou eu a driblar o futuro, acabando por sair pela linha
lateral
sou eu agora em espasmos, assemelhando-me a um campo de
minas
sou eu agarrando-me aos poucos que me disseram alguma coisa
eu tentando não cair, não sabendo como vim parar a esta copa
sou eu com a morte nos olhos que trago dentro dos meus olhos
eu, fidelíssimo traidor, não entendendo porque me achei só
eu a fugir de encontrar-me e sempre na exaustão de me
encontrar
eu em cada vivo, em cada morto, em cada esquina da cidade
sou eu não conseguindo adormecer e, adormecendo, não
dormindo
sou eu sem saber fugir a uma luxúria que jamais me faz feliz
eu a habitar um corpo doloroso, como semáforo amarelo
eu vendo outra coisa em cada coisa e em tudo palavras de
papel
eu carregando o peso do passado sobre um futuro inexorável
eu mais mortal que os mortais e defrontando a imortalidade
sou eu com a cara e a alma à venda nos escaparates
insensíveis
eu pedindo esmola a quem despreza o que lhe posso dar
sou eu rindo-me de mim para evitar chorar por tudo o mais
sou eu irremediavelmente sozinho para toda a eternidade
sou eu sem música de fundo, vendo-me num espelho desbotado
sou eu a fumar como se me defumasse para me poder comer
sou eu silenciando um grito por minuto e escrevendo no mel
eu vestindo toda esta nudez, só para só amar a verdade do
amor
e se isto é difícil de entender, dizendo-te outra coisa não
seria eu
Miguel Martins
Li com muito cuidado e fiquei a pensar.
ResponderEliminarÉ um texto denso. Neste caso, considero positiva essa característica.