04 janeiro 2015






Defeito de fabrico




Quando nasci, trazia de origem
um farol que despejava luz a jorros
sobre o que quer que fosse,
mormente sobre as dobras
pérfidas da noite.

Mas, por estranho que pareça,
também os faróis estão sujeitos
às leis da erosão,

e o meu farol deliu-se. Hoje não é
mais do que um triste farolim de bicicleta
que apenas me alumia dois palmos de noite.

Amanhã estará reduzido
a uma simples lanterna de bolso
com que mal poderei reconhecer
o lugar onde estou.

Até que um dia será, está bom de ver,
o mais fiável cúmplice da noite –

– da noite que devia dissipar,
e não fundir-se nela.

Defeito de fabrico.
Mas a garantia caducou e o fabricante
nega-se a ressarcir-me do escuro.







A. M. Pires Cabral



6 comentários:

  1. o bonito destes textos que nos trazes é que são uma forma de realidade - triste como quase sempre é a vida -, mas sem escarafunchar no drama.

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    1. :) "triste como quase sempre é a vida"?… não negue à partida uma ciência que desconhece…
      (o meu nome é alcina lameiras)

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    2. bem, há quem tenha uma capacidade invejável de se iludir.

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  2. Não me parece que o problema seja um defeito de fabrico.
    (Estou a "falar" a sério. Li várias vezes.Talvez o título seja irónico. Ou então não interpretei bem.)
    Boa semana, José Luís!

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    1. claro que é, isabel ;) todos nascemos defeituosos, com duração não infinita. boa semana ;)

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