02 julho 2014





na raiz dos sonhos





sei que aquela oliveira está ali
desde o princípio do mundo, habitando o tempo
e enredada no tempo à tua espera.

sei que as nuvens são de lilás escurecendo e resolvem
passar em ronda lenta nas fronteiras já imperceptíveis
do pôr do sol. sei que pressentes que assim terá de ser.

sei que ouvimos o sopro irregular do que diz o noroeste
de sílabas salinas, prolongando os búzios e as ressonâncias
onde ecoa o mar, enquanto a cor das nuvens

for passando morosa do lilás às madrepérolas da noite
e nós dermos as mãos nesse silêncio atlântico. e ainda sei que o vento
se arrepia ao de leve convocando os deuses comovidos

para essa árvore sagrada em que estremece
uma folhagem verde-cinza de estrídulas cigarras
que a acompanham desde o quente começo do mundo,

deste mundo, teu e meu, agora descoberto, ou a reinventar
numa sageza ainda assim sobressaltada,
numa ternura à beira da incandescência,

num princípio de pura alegria a que iremos dando vários nomes,
coisas da alma empenhada na sua liberdade
e em fantásticas lunações e trepadeiras.

sei como sobem jasmins e madressilvas
e as essências do verão em seus caules delicados
emaranhando-se nos sonhos, na raiz crepuscular

e musical dos sonhos. sei que te encontro aí.







Vasco Graça Moura





1 comentário:

  1. Li o poema várias vezes. Parece que, a cada leitura, se descobre qualquer coisa.
    Nos sonhos tudo é possível. Mas é preciso saber sonhar;)

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