Funeral
O meu tio levou um requintado fato preto
feito por medida, tecido italiano, caríssimo.
O meu irmão, que detesta gravatas pretas,
colocou uma, porém, talvez para dissimulá-la,
vestiu uma camisa preta.
As minhas primas, umas de calças, outras de vestido,
outras de saia, foram todas vestidas de preto.
A minha tia, sempre exagerada,
levou uma minissaia quase curtíssima e uma camisola
exageradamente decotada, tudo da mesma cor, tudo
preto.
A minha avó levou um vestido e um xaile da cor
que vem ostentando ininterruptamente há dez anos:
a cor que a morte do meu avô sepultou em todas
as suas roupas: a cor do luto – o preto.
O médico foi de preto,
o advogado também.
Foram alguns amigos, alguns conhecidos,
todos eles vestidos de preto.
De preto foi também a única pessoa
que não conheci.
Só eu chorei.
Dinis Moura
Infelizmente estas recordações de infância, época em que perdi muitas pessoas, nunca me saíram da cabeça. Até porque com cinco, seis anos, também me obrigaram a vestir assim. Por isso raramente uso uma peça de roupa preta e pedi ao meu filho para não se vestir assim quando eu morrer. Até aquela faixa preta no braço me recordo de usar e a lembrança de todos os dias ter que a pregar com um alfinete à manga é terrível. Não tenciono voltar a fazer lutos desta maneira. Agora, quando vou a um funeral costumo usar branco, que até é a cor de que gosto mais e que mais visto.
ResponderEliminarPor outro lado, felizmente, só escrevo a preto, gosto muito de fotografia a preto e branco e aprecio peças de decoração black&white;)
Gostei que o José Luís deixasse aqui este poema porque me fez pensar. E de vez em quando também é preciso pensar em coisas menos boas. Para reconfigurar e afinar o que anda cá por dentro.
Este poema fez-me lembrar outro funeral. Não fui de preto. Mas o coração ia todo ele na escuridão.
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