13 julho 2014








Funeral





O meu tio levou um requintado fato preto
feito por medida, tecido italiano, caríssimo.
O meu irmão, que detesta gravatas pretas,
colocou uma, porém, talvez para dissimulá-la,
vestiu uma camisa preta.
As minhas primas, umas de calças, outras de vestido,
outras de saia, foram todas vestidas de preto.
A minha tia, sempre exagerada,
levou uma minissaia quase curtíssima e uma camisola
exageradamente decotada, tudo da mesma cor, tudo preto.
A minha avó levou um vestido e um xaile da cor
que vem ostentando ininterruptamente há dez anos:
a cor que a morte do meu avô sepultou em todas
as suas roupas: a cor do luto – o preto.
O médico foi de preto,
o advogado também.
Foram alguns amigos, alguns conhecidos,
todos eles vestidos de preto.
De preto foi também a única pessoa
que não conheci.

Só eu chorei.









Dinis Moura







2 comentários:

  1. Infelizmente estas recordações de infância, época em que perdi muitas pessoas, nunca me saíram da cabeça. Até porque com cinco, seis anos, também me obrigaram a vestir assim. Por isso raramente uso uma peça de roupa preta e pedi ao meu filho para não se vestir assim quando eu morrer. Até aquela faixa preta no braço me recordo de usar e a lembrança de todos os dias ter que a pregar com um alfinete à manga é terrível. Não tenciono voltar a fazer lutos desta maneira. Agora, quando vou a um funeral costumo usar branco, que até é a cor de que gosto mais e que mais visto.
    Por outro lado, felizmente, só escrevo a preto, gosto muito de fotografia a preto e branco e aprecio peças de decoração black&white;)
    Gostei que o José Luís deixasse aqui este poema porque me fez pensar. E de vez em quando também é preciso pensar em coisas menos boas. Para reconfigurar e afinar o que anda cá por dentro.

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  2. Este poema fez-me lembrar outro funeral. Não fui de preto. Mas o coração ia todo ele na escuridão.

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