27 abril 2014

soube agora mesmo do seu desaparecimento. e estou triste. não o conhecia pessoalmente e em termos de política não estávamos decerto de acordo sobre muita coisa, mas era meu companheiro na luta contra a aberração do aborto ortopédico (não permitiu a sua adoPção no ccb - e muito bem), escrevia com uma ironia rara, era um belíssimo tradutor e, recordando palestras suas em que estive presente, não me lembro de ninguém com a sua erudição e dimensão cultural (ouvi-lo falar de camões era... brutal). e, sendo do porto, amava lisboa como poucos. quem dera ter sido eu a escrever isto:







o elevador de santa justa





podes caber à larga e não à justa no elevador de santa justa,
não te leva a parte nenhuma no sentido utilitário normal,
mas é a nossa torre eiffel. faz a experiência. por sinal
é um caso em que não custa aprender à nossa custa:
variamente na vida e na ascese se flibusta,
e aprender à nossa custa é muito mais ascensional.


podes subir ao miradouro se a altura não te assusta:
lisboa é cor de rosa e branco, o céu azul ferrete é tridimensional,
podes subir sózinho, há muito espaço experimental.
noutros elevadores há sempre alguém que barafusta,
mas não aqui: não fica muito longe a rua augusta,
e em lisboa é o único a subir na vertical.


no tejo há a barcaça, a caravela, a nau, o cacilheiro, a fusta,
luzindo à noite numa memória intensa e desigual.
com o cesário dorme a última varina, a mais robusta.
não é para desoras o elevador de santa justa,
arrefece-lhe o esqueleto de metal,
mas tens o dia todo à luz do dia. não faz mal.








Vasco Graça Moura
(1942 - 2014…(...








[elevador de santa justa]









12 comentários:

  1. Soube há pouco e, também não partilhando de todas as suas opiniões, fiquei com aquela tristeza de quem perde alguém próximo. Estranha coisa esta das afinidades.

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    1. é isso mesmo, carla... obrigado pela visita.

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    2. As visitas são frequentes, mesmo que os comentários não dêem conta disso - não por falta do que comentar, só um estado de alma mais contemplativo e menos comunicativo da minha parte. (:

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  2. Também não o conhecia pessoalmente, nem nunca tive a sorte de o ouvir, mas inspirava-me respeito e simpatia.

    (Há dias, passei, repetidamente, pelo elevador. Não subi, porque a fila era extensa e não tive paciência para esperar. Talvez, quando regressar a Lisboa, sinta mais vontade de o fazer, inspirada pelas palavras do poeta.)

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    1. suba. a sério. só pela vista valeria a pena mas a própria viagem, dentro daquela gaiola de ferro, tem sempre algo de iniciático. e vai ver, aqueles poucos segundos de subida, mais tarde, irão parecer-lhe eternos ;)

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  3. Era um homem erudito, e com uma cultura enorme. Faz falta haver mais portugueses assim!!!
    Poema bem lembrado :-)

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  4. Há pessoas que deixam marcas únicas. :)

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  5. Conhecia-o de vista e do bom dia, boa tarde. Sempre agradável. Deixou a sua pegada no pó do tempo, bem vincada e deixou o tempo que passou escrito em palavras de futuro.
    Aplauso!

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