A (i)legibilidade do livro
O livro está aberto e há demasiada luz.
Tudo o que escreves está contido nesse livro de
letras brancas como a tua morte.
Será possível ler o sol e o silêncio desse livro
branco eternamente branco e silencioso?
Como conter a ávida necessidade de devorá-lo
como se o livro pudesse matar-nos a irredutível fome de uma linguagem legível e
luminosa?
Estamos perante a impossibilidade de ler por um
excesso de luz que é a um tempo a nossa morte e a improvável possibilidade de
escrever o que não vemos, de ler o que não lemos.
Devoramos o livro e com os olhos cegos de
brancura transformamos a impossível leitura na escrita de uns signos imediatos
que nos devolvem a linguagem da luz apagada pela luz.
António
Ramos Rosa
sempre tão bonito!
ResponderEliminarE viva à poesia
ATÉ ONDE VÓS ESTAIS
ResponderEliminarOh, presenças amigas, ó momento
em que alongo o braço e toco em cheio os rostos
A minha língua abriu-se para dizer a face
do vento que percorre as vossas vidas.
Estou perante a noite mais profunda,
a delicada noite das raízes: vejo rostos
vejo os sinais e os suores das vossas vidas.
Atravesso árvores submersas, ruas obscuras,
poços de água verde, e vou convosco ter,
minhas faces lívidas, mãe, amigos, amores.
A terra que penetro é este chão de terra
com as raízes feridas, com os ferozes pulsos,
A vertente que desço é uma subida às vossas vidas.
ANTÓNIO RAMOS ROSA
In O centro na distância, 1981