04 junho 2013









As coisas lentas






Fumo demasiado depressa 
o meu cigarro apagado. 
Os cigarros fumam-se lentamente 
ao espelho fixando um único dos nossos rostos. 
Pois bem: na casa só nos cacos há reflexos. Os rostos suspendem-se 
entre nós e nós, as letras das palavras. Os rostos aguardam-se, 
observam-se, ao longe. E não há fumo que os evole. 
Talvez por isso: nunca aprendi a acender um cigarro 
por ser absolutamente desnecessário aprender a aprender a acender 
um cigarro. Na casa onde tu fumavas 
cada cigarro era uma letra. De cada vez que o filtro te tocava 
os lábios eu perguntava: como te chamas? À superfície 
do espelho, o teu vagar respondia-me 
até ao esquecimento de nós. 
Talvez por isso: tento acender um cigarro. Apago-o antes 
que me chegue aos lábios.

Está frio neste lugar. A boca abre-se 
como uma coisa lenta em forma de espanto.










Inês Fonseca Santos











Sem comentários:

Enviar um comentário

cartografe aqui: