Confidências
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça
a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever
estas coisas! Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão
pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de
viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para
subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da
nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas
viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas
ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às
minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa
casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para
a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
José de Almada Negreiros
lindo! apercebi-me agora que conheço tão pouco da poesia do Almada... tenho de a ir procurar... ainda bem que a trouxeste para aqui!
ResponderEliminarhá uma edição da poesia completa da incm. tem palavras inesperadas e surpreendentes.
ResponderEliminarConheci melhor a poesia de Almada na faculdade. Da geração do Orpheu foi, naquele tempo, um dos meus preferidos, talvez o segundo, depois de Sá-Carneiro. Este texto é uma ternura. :)
ResponderEliminaré, não é? ;)
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