16 março 2013









Confidências






Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado! 

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar. 

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras. 

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa.
 
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! 
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade! 









José de Almada Negreiros










4 comentários:

  1. lindo! apercebi-me agora que conheço tão pouco da poesia do Almada... tenho de a ir procurar... ainda bem que a trouxeste para aqui!

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  2. há uma edição da poesia completa da incm. tem palavras inesperadas e surpreendentes.

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  3. Conheci melhor a poesia de Almada na faculdade. Da geração do Orpheu foi, naquele tempo, um dos meus preferidos, talvez o segundo, depois de Sá-Carneiro. Este texto é uma ternura. :)

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