14 março 2013










Lembro-me bem do seu olhar.
Ele atravessa ainda a minha alma.
Como um risco de fogo na noite.
Lembro-me bem do seu olhar. O resto...
Sim o resto parece-se apenas com a vida.

Ontem, passei nas ruas como qualquer pessoa.
Olhei para as montras despreocupadamente
E não encontrei amigos com quem falar.
Tão triste que me pareceu que me seria impossivel
Viver amanhã, não porque morresse ou me matasse,
Mas porque seria impossivel viver amanhã e mais nada.

Fumo, sonho, recostado na poltrona.
Dói-me viver como uma posição incómoda.
Deve haver ilhas lá para o sul das cousas
Onde sofrer seja uma cousa mais suave.
Onde viver custe menos ao pensamento,
E onde a gente possa fechar os olhos e adormecer ao sol
E acordar sem ter que pensar em responsabilidades sociais
Nem no dia do mês ou da semana que é hoje.

Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
Um coração exageradamente espontâneo
Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real,
Que bate com o pé a melodia das canções que o meu pensamento canta, 
Canções tristes, como as ruas estreitas quando chove. 










Álvaro de Campos










3 comentários:

  1. "Abrigo no peito, como a um inimigo que temo ofender,
    Um coração exageradamente espontâneo
    Que sente tudo o que eu sonho como se fosse real"

    pois... é isso...

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  2. ... mesmo... deve ser aliás por isso que o senhor engenheiro naval por glasgow acrescenta que
    "Deve haver ilhas lá para o sul das cousas
    Onde sofrer seja uma cousa mais suave."
    ;)

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  3. As coisas de que este Senhor se lembrava...

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