16 setembro 2012









Agora o corpo é mais um barco que se solta.
Nele navegam primeiro os olhos e os receios.
E só depois a polpa dos dedos, à deriva, que
é quem faz o sabor das ondas nesse mar.

Levamos-lhe uma luz que é como uma promessa:
uma pequena chama azul e inquieta que treme
dentro das mãos e faz a boca abrir-se para
a espera. E não sei o que longe da margem

ilumina depois os nossos gestos: talvez
apenas a pele prateada dos peixes, o fulgor
da lua sobre a água como um gomo cheio
a desafiar os lábios, os reflexos do frio
metal das âncoras sob o olhar das estrelas.

Repara como de repente ficou distante o cais
e o outro barco amarrado ao sono da noite.
Esquece-o para sempre. Agora, adormeçamos
simplesmente, docemente, em casas de sal.









Maria do Rosário Pedreira









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