Pudesse eu morrer hoje como tu me morreste nessa noite –
e deitar-me na terra; e não ouvir senão o rumor das ervas
e o canto do
vento nos ciprestes; e não ter medo das sombras,
nem das aves
negras nos meus braços de mármore,
nem de te
ter perdido – não ter medo de nada. Pudesse
eu fechar os
olhos neste instante e esquecer-me de tudo –
das tuas
mãos tão frias quando estendi as minhas nessa noite;
de não teres
dito a única palavra que me faria salvar-te, mesmo
deixando que
eu perguntasse tudo; de teres insultado a vida
e chamado
pela morte para me mostrares que o teu corpo
já tinha
desistido, que ias matar-te em mim e que era tarde
para eu
pensar em devolver-te os dias que roubara. Pudesse
eu cair num
sono gelado como o teu e deixar de sentir a dor,
a dor
incomparável de te ver acordado em tudo o que escrevi –
porque foi
pelo poema que me amaste, o poema foi sempre
o que valeu
a pena (o mais eram os gestos que não cabiam
nas mãos); e
pudesse eu deixar de escrever esta manhã
e pudesse eu
morrer
mas ouço-te
a respirar no meu poema.
Maria do Rosário Pedreira
[ lê-se e vê-se muito melhor aqui ]
ai!
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