06 maio 2012






Poema à Mãe





No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.





Eugénio de Andrade






3 comentários:

  1. é tão bonito este poema... todo ele e a forma como acaba, todas as cartas escritas à noite deviam acabar assim...

    (estava a lê-lo sem ter visto de quem era e quando li que era do Eugénio de Andrade, percebi o quanto a Maria do Rosário Pedreira e o José Luís Peixoto lhe devem naquilo que escrevem... e achei bonito... encontrar essas ligações; estamos todos ligados, a verdade é essa :))

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  2. mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
    as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
    sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

    pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
    tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
    desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

    às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
    a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
    mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

    lê isto: mãe, amo-te.

    eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
    escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
    não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
    as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

    José Luís Peixoto

    :)

    parabéns!

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  3. maria, paula: pois estamos...
    e não é por acaso que parabéns rima com mães... ;)

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